Blog do José Cruz

Arquivo : julho 2015

TCU reprova liderança do Ministério do Esporte. Falta até transparência!
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José Cruz

Doze anos depois de ter sido criado, o Ministério do Esporte foi reprovado como gestor público, conforme “relatório de levantamento de auditoria” do TCU – Tribunal de Contas da União, com relatoria do ministro Augusto Nardes

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As constatações dessa corte de fiscalização confirmam todas as denúncias publicadas neste blog nos últimos seis anos

  R E L A T O   D O S   A U D I T O R E S  

“A liderança exercida pelo Ministério do Esporte na política de esporte de rendimento é limitada. O Ministério mostrou-se, em nível de organização, aquém do que seria desejável, dado o seu papel de protagonismo no desporto brasileiro. O órgão conta estrutura deficiente frente a todas as suas atribuições e, dessa forma, não apresenta capacidade operacional de atuar de forma satisfatória como coordenador das ações do sistema esportivo e como responsável pelo controle de grande parte dos recursos públicos aplicados no esporte de rendimento”.

“Foi observado, no caso dos recursos públicos destinados ao esporte de rendimento, o risco de desvio, em razão da fragilidade dos controles sobre a aplicação desses recursos”

“O Ministério do Esporte demonstrou não ter capacidade operacional para o controle dos recursos por ele próprio repassados”

 “Na consulta realizada, verificou-se, de modo geral, um baixo nível de transparência das informações relativas à gestão das entidades do Sistema Nacional do Desporto”

“O contexto atual evidencia que o Estado tornou-se o grande financiador do esporte de rendimento, enquanto o desporto educacional não vem recebendo o mesmo investimento”

“Risco de que os resultados do Brasil nos Jogos Olímpicos de 2016, inclusive a meta de posicionar-se entre os dez primeiros países classificados, se alcançada, não sejam sustentáveis para o período pós-2016”

Sobre a estrutura do Ministério do Esporte, os auditores identificaram 404 servidores ali lotados, sendo apenas 86 efetivos (21,3%), 234 comissionados (57,9%) e 103 de outras categorias (20,8%).

Pior!

Há unidades no Ministério “que não contam com nenhum servidor efetivo, o que pode resultar em fragilidade na gestão”, alertaram os auditores do Tribunal.

Os responsáveis pelo caos

Em doze anos, o Ministério do Esporte teve quatro ministros: Agnelo Queiroz, de fraca atuação, Orlando Silva, demitido por Dilma Rousseff, em meio a denúncias de corrupção, confirmadas, Aldo Rebelo, que cuidou da preparação do país à Copa do Mundo, e o atual, George Hilton, que “entende de gente”.

O dinheiro do esporte

Entre 2010 e 2014 os esportes olímpico e paraolímpico nacionais foram sustentados por R$ 7,7 bilhões, sendo que 94% desses recursos são verbas públicas federais. O COB (Comitê Olímpico do Brasil) e as confederações ficaram com 73% desse total, enquanto aos paraolímpicos e suas confederações foram destinados 18%. Outros 9% ficaram com a CBC (Confederação Brasileira de Clubes). Esses dados são do relatório de auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União), que analisou o funcionamento dos componentes do Sistema Nacional do Desporto.

Dependência oficial

O rigoroso levantamento identificou “o alto grau de dependência dos recursos da Lei Agnelo Piva para gastos de custeio na quase totalidade das entidades: Comitês Olímpico e Paraolímpico, confederações e Confederação Brasileira de Clubes. Das 26 confederações consultadas, 15 são totalmente dependentes do dinheiro oficial.

A CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo), modalidade com inexpressivo desempenho em eventos internacionais é, ironicamente, a que registra melhor receita no período 2010/2016 (o trabalho projetou a receita até o ano olímpico). Segundo o TCU, foram R$ 224,5 milhões, para 36.571 atletas federados.

A modalidade com o segundo maior número de atletas, o judô, 45.899 registros, é a terceira no ranking de receitas (217,7 milhões), atrás dos Desportos Aquáticos, que faturou R$ 223,4 milhões para 11.869 atletas federados.

Estranho!

Já a Confederação de Basquete, mergulhada em prolongada crise de falência, fosse ela uma empresa privada, é a quarta entidade em receita, com R$ 206,3 milhões, no período analisado. O basquete é a segunda modalidade em atletas federados, com 50.385, Perde apenas para o vôlei, com 115.229 atletas registrados. Porém, o premiadíssimo esporte das quadras e da praia, aparece numa modesta 15º posição em receita total, com apenas R$ 27,5 milhões, em cinco anos.

Esse dado sobre a Confederação de Vôlei será confirmado, pois trata-se da principal modalidade no país, depois do futebol, com expressivo faturamento na venda de imagens de valorizados torneios. É difícil entender que, na receita, esteja atrás do rugby, ginástica, ciclismo, lutas associadas, remo e desporto na neve.

Fragilidade

A fragilidade do sistema no país olímpico também foi revelada pelos auditores. A Confederação de Desporto Escolar, por exemplo, “encontra-se em estágio primário de organização, o que justifica a baixíssima organização das atividades esportivas no âmbito das escolas brasileiras”.

A análise do relatório do TCU continuará na próxima mensagem

O acórdão completo do TCU está aqui 


Medalhas, dinheiro e a pátria educadora
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José Cruz

De que vale um terceiro lugar continental, diante da realidade falida da “pátria educadora”, do flagelo das escolas, da falta de incentivo aos professores, da ausência de espaços  para a prática democrática da educação física, e com a maior parte das modalidades esportivas altamente elitizadas?

time_brasil

Ironicamente, quando o Brasil tem a sua maior delegação em Jogos Pan-Americanos – 590 atletas, em Toronto – e investimentos de mais de R$ 3 bilhões, cai em número de medalhas de ouro, comparativamente a Guadalajara, 2011. E, não evolui em pódios gerais: 141

      PAN OURO PRATA BRONZE TOTAL
Rio 2007    52    40    65   157
Guadalajara 2011    48    35    58   141
Toronto 2015    41    40    60   141

Este resultado, deve-se, em parte, à equipe renovada, que usou o evento como “estreia”, “teste”. De tal forma que, a dupla medalha de prata na plataforma de 10 metros, em Toronto – Ingrid Oliveira e Giovana Pedroso –, ficou em 15º na fase eliminatória, entre 16 conjuntos, no Mundial de Desportos Aquáticos, que começou no domingo, na Rússia.

Investimentos

Mas, crescemos em modalidades premiadas, algumas inéditas, como luta olímpica, natação feminina, levantamento de peso, rugby. Não dependemos mais “apenas” do vôlei, vôlei de praia, judô, vela… Evoluímos! E isso se deve aos mais de R$ 3 bilhões de dinheiro público destinados ao alto rendimento, e, também, à importação de 44 técnicos estrangeiros e a equipes turbinadas por atletas de outros países, agora verde-amarlos.

Enquanto isso…

Regredimos espetacularmente no atletismo, modalidade-mãe – correr, lançar, saltar … Com um ouro nos 5.000m, Juliana dos Santos marcou 15min45s97, pra lá das 100 melhores marcas do mundo, nesta temporada. É o resultado-síntese do atletismo, com apenas 13 pódios, e regressão de 43% ao resultado de Guadalajara 2011.

Da mesma forma, o tênis. Com equipe inexpressiva, sob o ponto de vista dos melhores do ranking brasileiro, a modalidade retrocedeu 32 anos na competição, quando voltou sem medalha dos Jogos de Caracas.

Realidade

Pelo empenho dos competidores, o esporte-espetáculo tornou-se negócio, business. Chama audiência na TV, que paga caro pela “emoção”, que vende! É emprego, também, para centenas de atletas, que chegam a faturar mais de R$ 50 mil por mês só em patrocínios, ou 400 mil dólares (R$ 1,3 milhão) por ano, em prêmios de valorizados torneios internacionais de tênis, golfe, hipismo…

É isso que está em disputa, um negócio de marcas famosas. E é aí que o governo federal investe, com rumo específico, os Jogos Olímpicos Rio 2016, mas fora de um contexto maior e duradouro do esporte como política de Estado! De olho apenas no alto rendimento, não podemos dimensionar nosso potencial esportivo apenas pela conquista de finais, medalhas e recordes.

Neste contexto, recupero o que escreveu o professor Valter Bracht da Universidade Federal do Espírito Santo, neste blog: 

Uma nação desenvolvida esportivamente é aquela em que todos cidadãos têm direito e acesso, de forma voluntária e livre, às práticas esportivas (e a outras práticas corporais não esportevizadas); assim como a eficiência do sistema de saúde não se mede pelo número de hospitais de alta tecnologia

Foto: uol.com.br

 


MP 671: Dilma decidirá sobre a formação de atletas a partir dos 12 anos
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José Cruz

 A MP 671 sobre a dívida fiscal dos clubes esconde perigoso artigo que reduz para os 12 anos a formação desportiva. Com isso, após um ano de vínculo dessa formação ou seja, aos 13 anos de idade o educando- atleta – ainda criança –  já estará vinculado ao clube formador. E, como não pode firmar o contrato de trabalho, faz ressurgir o extinto “passe” pela impossibilidade de livremente se transferir

infantil

Por Heraldo Panhoca

Advogado

Durante o debate da Lei de Conversão da MP 671 no Câmara dos Deputados constatei que a sociedade brasileira alardeou e se posicionou sobre dois temas que entendia relevantes, o parcelamento das dívidas dos clubes e, em menor manifestação, mas muito bem lembrada, oportuna e benéfica a prorrogação do incentivo fiscal e fomento ao desporto para 2022. A reboque, sem nenhuma manifestação coletiva ou alarde, a redução da idade do atleta para início da formação desportiva a partir de crianças com 12 anos de idade.

Lembro que esta proposta de redução da idade do atleta para início da formação pré-qualificante foi levantada por um ex-treinador da Seleção Brasileira de futebol para justificar a derrota do time principal na Copa do Mundo. Alegava que, na Alemanha, inicia-se a prática com as crianças aos 12 anos e, no Brasil, com jovens aos 14 anos.

Apenas para esclarecer, no Brasil essa iniciação desportiva da criança ou educando (de 6 a 14 anos) está reservada ao desporto educacional, de vez que, em todas as normas vigentes, o ensino profissionalizante somente poderá ser ministrado ao menor aprendiz com no mínimo 14 anos de idade, inclusive pela obrigação de estar com o curso fundamental completo. Não menos verdade que a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e demais normas sobre a proteção à infância e à pré-juventude remetem à idade piso de 14 anos.

No sistema educacional desportivo o legislador previu, já em 1993, mantido em 1998, que essa iniciação desportiva seria feita nos sistemas regulares de ensino, por formas assistemáticas, proibida a seletividade e a hipercompetitividade dos praticantes, sempre tendo por norte os princípios de proteção à criança e escopo nos ensinamentos e conquistas da motricidade com ênfase no desporto. Em 1998, foi além, e o legislador brasileiro decretou: o atleta brasileiro nasce para os clubes (EPD) aos 14 anos e ofertou competente regulamentação para esta formação.

Juntaram-se a esta determinação legal várias normas de organismos governamentais, pelas quais o Brasil passou a contemplar o melhor sistema de formação de atletas, que compreende jovens entre os 14 anos completos até completar 20 anos de idade. Nada mais competente e seguro para a formação de nossa juventude. Para os clubes esta regulamentação trouxe o direito de formar o atleta e receber em troca o primeiro contrato especial de trabalho desportivo ou as indenizações pertinentes, para os atletas a qualificação e cidadania. A norma legal vigente é eficaz, mas muitos clubes foram incompetentes para exercê-la.

A mudança

Agora, sem nenhuma base cientifica a justificar, restou aprovado pela Câmara e pelo Senado, estando pendente de sanção presidencial, a alteração da idade mínima do início da formação desportiva das crianças com 12 anos de idade. Referida norma está ao total descompasso das demais normas que regem o direito de formação da criança e do adolescente no Brasil.

As alterações aprovadas e pendentes de sanção vinculam atletas e clubes, sem nenhum zelo ou cuidado aos ditames do artigo 29 da lei 9.615/98, que, entre eles, concede ao clube formador que por um ano ministrar ensinamentos profissionalizantes desportivos ao atleta, o direito de firmar com o mesmo o primeiro contrato de trabalho desportivo. Como visto é o primeiro curso técnico a qualificar para o trabalho a criança aos 13 anos de idade e a esperar que o “formado” complete 16 anos para o “formador” exercer tal direito.

Vislumbra-se mais um descompasso ou ilegalidade, após um ano de vínculo de formação desportiva, ou seja, aos 13 anos de idade o educando- atleta já estará vinculado ao clube formador, e como não pode firmar o contrato de trabalho faz ressurgir o extinto “passe” pela impossibilidade de livremente se transferir. (Trabalho infantil)

Por destaque, a mutilação precoce de nossas crianças com a hipercompetitividade restará patente, não é oportuno comparar o sistema educacional de iniciação desportiva de outros países com o aqui praticado.

Sem qualquer ilação, que garantia será oferecida a uma criança de 12 ou mais anos que tiver sua formação e qualificação profissionalizante desportiva confiada a um desses clubes beneficiados pelo parcelamento, este sim com o estabelecimento de rígidas normas de segurança em favor do erário público?

Ressalte-se, por mais paradoxal que possa ser, quem atesta e concede a certificação de “clube formador” é a CBF ou para as demais modalidades cada uma das entidades de administração.

Cabe ao Ministério Público da Infância e Juventude, ao Ministério Público do Trabalho, ao Ministério da Educação, ao Ministério do Esporte, aos Conselhos Tutelares, ao Conselho Federal de Educação Física, bem como a sociedade civil organizada, de forma isolada ou uníssona pedir ou até mesmo com justificativas cientificas exigir, se ainda der tempo, que A PRESIDENCIA DA REPÚBLICA, vete no art. 38 da referida lei de conversão as alterações e inclusões levadas a cabo no artigo  3º da Lei 9.615/98, em especial o inciso IV e o parágrafo 2º.

À reflexão.

 

Foto:  Marcello Casal Jr/ABr/www.redebrasilatual


Campanha do Pan 2015 custou R$ 3,1 bilhões aos cofres públicos. Até agora!
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José Cruz

A campanha brasileira nos Jogos Pan-Americanos de Toronto, que resultou na conquista de 41 medalhas de ouro e um terceiro lugar na classificação final, custou, até agora, R$ 3,1 bilhões aos cofres públicos. O valor refere-se ao período de 2012 a junho de 2015, e é a metade do investimento no ciclo olímpico para os Jogos de Londres, R$ 6 bilhões. O levantamento foi promovido pela reportagem junto às fontes de financiamento do alto rendimento.

TORONTO, CANADÁ, 08.07.2015: PAN-2015 - Cerimônia de hasteamento da bandeira do Brasil na Vila Olímpica dos jogos Pan Americanos, em Toronto no Canadá, nesta quarta-feira (8). (Foto: Thiago Bernardes/Frame/Folhapress)

Atletas na Vila Olímpica,  em Toronto  (Foto: Thiago Bernardes/Frame/Folhapress)

Valor é maior

O total investido na campanha, que inclui os Jogos Olímpicos de 2016, aumentará, pois ainda faltam os investimentos da Petrobras, patrocinadora de nove modalidades, cujos atletas conquistaram 32 medalhas no Pan. Além disso, o Banco do Nordeste informou que não torna público os investimentos,. Buscaremos essa informação pela Lei da Transparência.

Desde 2012 o esporte conta com oito fontes fixas de financiamentos públicos, entre eles a Lei Piva, surgida em 2001, Lei de Incentivo, Bolsa Atleta, Bolsa Pódio, etc. A primeira fonte é o orçamento do Ministério do Esporte, de onde saíram R$ 121,7 milhões em convênios, no período analisado, para confederações e clubes que promovem formação e treinamento de atletas, como o Pinheiros, de São Paulo, Minas Tênis, de Belo Horizonte, Sogipa e União, de Porto Alegre, entre outros.

A Lei Piva, por sua vez, que repassa recursos das loterias federais para o esporte, contemplou o Comitê Olímpico do Brasil com R$ 676 milhões nos últimos quatro anos. A maior parte desse recurso é rateado entre as confederações, conforme projetos que apresentam. Outra parte destina-se ao pagamento de despesas da sede do COB, no Rio de Janeiro e um percentual destina-se ao “Fundo Olímpico”.

Ciclo olímpico

Nas pesquisas realizadas junto às fontes de financiamento do esporte, a maioria dos projetos é apresentada sob o argumento de “preparação de atletas para o ciclo olímpico”. Paralelamente, as estatais assumiram o pagamento da Bolsa Pódio, que pode ser de até R$ 15 mil mensais para cada atleta.

Falta apoio?

Diante da abrangência observada na distribuição dos recursos, torna-se difícil entender que ainda há atletas queixando-se de “falta apoio” ou que “não há investimento”. Principalmente porque é comum uma mesma modalidade ser contemplada por quase todas as fontes.

Desportos Aquáticos, por exemplo, patrocinada pelos Correios, é uma das principais beneficiadas dos recursos da Lei Piva. Paralelamente, capta verbas na Lei de Incentivo ao Esporte, e recebe mais dinheiro do Ministério do Esporte, através de convênios, tudo na mesma temporada.

Deve-se considerar, também, que os atletas da natação estão entre os mais bem remunerados pelos patrocinadores, públicos, inclusive, com ganhos totais que passam dos R$ 50 mil mensais. “Só para o Thiago Pereira o Corinthians pagava R$ 40 mil mensais”, disse recentemente o ex-presidente do clube e agora deputado federal, Andrés Sanchez, em manifestação na Comissão de Esporte da Câmara.

Na realidade, não falta apoio do governo, mas critérios que torne mais democrático o acesso aos recursos. Na forma como ocorre, é difícil entender que um clube capte recursos da Lei de Incentivo para “preparar os atletas aos Jogos Olímpicos” e, no mesmo ano, a confederação assine convênios com o Ministério do Esporte com o mesmo argumento, além do patrocínio que recebe para o mesmo fim.

Alerta

O levantamento que se realiza neste sentido demonstra, mais uma vez, fartura de recursos públicos para o esporte, Porém, esse dinheiro está, há muito, protegido por uma caixa-preta que não pode mais ser ignorada pelos órgãos de fiscalização do governo e, principalmente, pelo Ministério Público e Polícia Federal.

Assim que  o levantamento geral estiver concluído, os valores finais serão aqui publicados.


Vitoriosa no Pan, natação brasileira ganharia apenas uma medalha olímpica
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José Cruz

Equipe brasileira fez a festa na piscina do Centro Aquático do CIBC de Toronto. Festa pelas 26 medalhas, com 10 de ouro, 6 de prata e 10 de bronze. Festa para Thiago Pereira, o “homem do Pan”, maior medalhista da história desta competição. Festa para Etiene Medeiros (foto), a primeira nadadora a escutar o Hino Nacional, batendo a mão antes de todas, nos 100m estilo costas. Sem dúvida, um belo motivo para se festejar

EMedeiros

Por Walter Guimarães – Jornalista

Tanta festa a 10 dias do Mundial de Kazan seria motivo para esperanças de conquistas nas águas do verão russo, ou mesmo na Rio-16? Infelizmente não. Os nomes que podem trazer medalhas do Mundial são os mesmos, pelo menos por enquanto, dos recentes mundiais e Jogos Olímpicos.

Basta comparar os resultados do Pan de Toronto com os tempos obtidos nos Jogos de Londres, há 3 anos, e perceber que:

– Com os tempos das 40 finais individuais que os atletas chegaram em Toronto, o Brasil teria participado em apenas 11 finais em Londres, nove no masculino e apenas duas no feminino, ambas com a Etiene Medeiros;

– Das 26 medalhas conquistadas no Canadá, apenas o Felipe França teria conquistado um bronze em Londres;

– Todas as equipes de revezamento conseguiram medalhas, os homens só as douradas, mas na piscina olímpica a história seria bem diferente, conseguiríamos um 5º lugar com muita luta.

Desfalque

Os mais otimistas, ou, melhor, os mais ufanistas podem falar que o principal nome da natação brasileira, César Cielo, não estava em Toronto, preferiu se concentrar na piscina do Mundial, da mesma forma da quase a totalidade da equipe de ponta americana.

Escutei nadadores felizes com os tempos registrados em Toronto, por estarem na fase final dos treinos, que ainda nem fizeram a “raspagem”. Pois é, mais um esporte que na hora da verdade, nem a raspa do tacho de tantos recursos repassados nos últimos anos fará com que se mude o caldo. Vai Brasil !!! Respire que o caldo parece que vai ser feio.

Resultados comparativos

Entre parêntese, a colocação ou em qual fase cada atleta chegaria, em relação aos Jogos de Londres

MASCULINO

50m livres: 2º Bruno Fratus – 21’91” (8º)

100m livres: 3º Marcelo Chierighini – 48’80” (semifinal) e 7º Matheus Santana – 49’58” (eliminatória)

200m livres: 1º João de Lucca – 1m46’42” (6º) e 5º Nicolas Oliveira – 1m47’81” (semifinal)

400m livres: 3º Leonardo de Deus – 3m50’30” (eliminatória)

1.500m livres: 3º Brandonn Almeida – 15m11’70” (15º) e 7º Lucas Kanieski – 15m23’91” (20º)

100m costas: 2º Guilherme Guido – 53’35” (5º)

200m costas: 3º Leonardo de Deus – 1m58’27” (semifinal)

100m peito: 1º Felipe França – 59’21” (3º)2º Felipe Lima – 1m00’01” (8º)

200m peito: 1º Thiago Simon – 2m09’82” (semifinal) e 3º Thiago Pereira – 2m11’93” (eliminatória)

100m borboleta: 7º Arthur Mendes – 52’73” (eliminatória)

200m borboleta: 1º Leonardo de Deus – 1m55’01” (5º) e 5º Kaio Almeida – 1m58’51” (eliminatória)

200m medley: 1º Henrique Rodrigues – 1m57’06” (5º) e 2º Thiago Pereira – 1m57’42” (6º)

400m medley: 1º Brandonn Almeida – 4m14’47” (8º)

4x100m livres: 1º Brasil – 3m13’66” (7º)

4x200m livres: 1º Brasil – 7m11’15” (8º)

4x100m medley: 1º Brasil – 3m32’68” (5º)

FEMININO

50m livres: 2º Etiene Medeiros – 24’55” (6º) e 7º Graciele Herrmann – 24’94” (semifinal)

100m livres: 5º Larissa Martins – 54’61” (eliminatória) e Graciele Herrmann – 55’01” (eliminatória)

200m livres: 3º Manuela Lyrio – 1m58’03” (semifinal) e 5º Larissa Martins – 2m99’32” (eliminatória)

400m livres: 4º Manuela Lyrio – 4m10’92” (18º) e 7º Carolina Bilichi – 4m17’40” (30º)

800m livres: 7º Caroline Bilich – 8m47’94” (29º)

100m costas: 1º Etiene Medeiros – 59’61” (8º)

200m costas: 5º Joanna Maranhão – 2m12’05” (eliminatória)

100m peito: 6º Beatriz Travalon – 1m09’23” (eliminatória)

200m peito: 8º Pamela Souza – 2m32’41” (eliminatória – penúltima marca)

100m borboleta: 4º Daynnara de Paula – 58’56” (semifinal) e 5º Daiene Dias -58’74” (semifinal)

200m borboleta: 3º Joanna Maranhão – 2m09’38” (eliminatória)

200m medley: 4º Joanna Maranhão – 2m12’39” (semifinal) e 7º Gabrielle Gonçalves – 2m17’02” (eliminatória)

400m medley: 3º Joanna Maranhão – 4m38’07” (10º)

4x100m livres: 3º Brasil – 3m37’39” (6º)

4x200m livres: 2º Brasil – 7m56’36” (12º)

4x100m medley: 3º Brasil – 4m02’52” (12º)

Foto: Satiro Sodré/CBDA


Pan 2015: Brasil à frente de Cuba. E daí?
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José Cruz

O Brasil político e esportivo festeja o terceiro lugar no quadro de medalhas do Pan-Americano de Toronto. Enfim, o país de 206 milhões de habitantes ultrapassa a “potência” cubana, de 11 milhões … Só em número de estudantes – 33 milhões – temos o triplo da população cubana…

O Brasil, de 8,5 milhões de km², disputa contra a Ilha de apenas 110 mil km². O estado do Ceará tem 148 mil km² …

Nos Jogos de Toronto, a delegação cubana, de 444 atletas, enfrenta a brasileira, com 590 competidores.  cubaCuba compete sem alguns atletas de ponta devido as deserções, enquanto o Brasil turbina a delegação com atletas “importados”, ajudando a conquistar pódios e camuflar o potencial em modalidades onde ainda somos amadores.

Mesmo assim, o quadro não está definido, pois das 10 finais do boxe Cuba está em todas! Lembrando que no último Pan, eles levaram oito medalhas de ouro neste esporte.

 

Economia do esporte

Para se tornar “potência” continental no alto rendimento, o Brasil se tornou, antes, “potência” econômica-esportiva. O dinheiro sai pelo ladrão, sem exageros. No último ciclo olímpico – entre os Jogo de Pequim e Londres – foram R$ 6 bilhões de verbas públicas reforçando a delegação brasileira. Cuba, em longa crise econômica, não tem Lei de incentivo, verbas de loterias, nem convênios com o Ministério do Esporte, investimentos de estatais, reforço financeiro das Forças Armadas, nada!

Mesmo assim, nas últimas 11 edições dos jogos Pan-Americanos, “Cuba foi vice dez vezes e campeã em Havana, em 1991”, diz reportagem da Folha de S.Paulo, hoje.

“Nossa delegação, que carece de talentos comprados ou nacionalizados em razão de medalhas, enfrentou cada jornada com espírito de luta,” disse à Folha Antonio Becali, presidente do Instituto Nacional de Esportes de Cuba.

O ministro do Esporte, George Hilton, que “entende de gente”, deveria analisar o Pan também sob esses parâmetros de “potências” humana e econômica.

Legado e corrupção

Afinal, o que significará o legado de um terceiro lugar continental para um país onde a Cidade Olímpica do Rio de Janeiro destrói um velódromo de R$ 15 milhões e transforma uma pista de atletismo em estacionamento de luxo? Um país onde o poder público constrói dezenas de pistas, mas fecha tantas outras por falta de verbas para manutenção, ignorando o plano de treinamento dos atletas?

Quem se beneficia dessa estratégia de obras monumentais para megaeventos, e destruições paralelas, numa repetição da política pública de parcerias com empreitaras que sustentam a corrupção?


Lei de Incentivo ao Esporte poderá ser renovada na rabeira da MP do futebol
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José Cruz

Enquanto o governo corta mais R$ 8,7 bilhões no Orçamento da União – depois de uma tesourada de R$ 70 bi  –,  para evitar que o ano feche no vermelho, o esporte poderá ser compensado com a renovação da Lei de Incentivo (LIE), cuja validade termina em dezembro. O dinheiro vem da Receita Federal, que coloca R$ 400 milhões/ano à disposição de projetos para todas as modalidades, o suspeito futebol, inclusive.

A renovação da Lei de Incentivo ao Esporte, até 2022, foi “embutida” por espertos deputados no artigo 43 da Medida Provisória 671, que trata do pagamento da dívida fiscal dos clubes de futebol. Aprovada na Câmara e no Senado, a MP aguarda sanção presidencial. Ou não!  LIIEE

É preciso repetir…

…  a Lei de Incentivo ao Esporte fracassou nos primeiros oito anos de execução! Usou apenas R$ 1,2 bilhão dos R$ 3,2 bilhões disponíveis, porque faltaram bons projetos e, principalmente, capacidade para captar os recursos via incentivo fiscal.

Boa parte do dinheiro captado turbinou a corrupção em projetos de mentirinha. Muitos projetos foram absorvidos por execuções suspeitas. Outra parte serviu para comprar equipamentos superfaturados, incentivou a criação de uma rede de empresas de fachada para contemplar licitações fraudadas, e por aí vai. No Rio de Janeiro e em São Paulo a Polícia Federal e o Ministério Público investigam essas denúncias e já acumulam provas de sobra.

Mais:

Quase cem por cento dos projetos aprovados beneficiaram, prioritariamente, os mais ricos, os que muito já tem de outras fontes, públicas, claro:

94,7% do dinheiro da LIE ficou nas regiões Sudeste (78.4%) e Sul (16,3%). O Ministério do Esporte, ocupado desde 2003 por deputados e políticos sem compromisso com o setor, não criou mecanismos para democratizar o uso desse valioso recurso público.

Enquanto isso…

O balanço da Lei de Incentivo dos sete primeiros meses deste ano repete a fragilidade do sistema. Foram aprovados R$ 246 milhões em projetos, que renderam só R$ 53 milhões, até ontem, em captações.  Nesses números não estão os de Minas Gerais. Quando se tenta acessar essas informações, o site do Ministério do Esporte registra: “erro geral”.

Capta a verba pública quem tem mais força, mais apelo, marca em destaque, como a Confederação de Desporto Aquático, os clubes de futebol, os esportes de elite, o golfe entre eles, e por aí vai.

Social

Há bons projetos sociais-esportivos-educacionais em execução, com propostas bem fundamentas. Mas esses são minoria, pouquíssimos, apenas 23% no contexto geral das propostas aprovadas. Em Brasília, por exemplo, o ex-recordista mundial da maratona, Ronaldo da Costa (Berlin, 1998, 2h06min05s), é instrutor (foto) de um projeto com esse perfil (Rumo ao Pódio Olímpico), desenvolvido pelo Instituto Joaquim Cruz.

É nesses projetos que deveria se concentrar a filosofia da LIE, pois eles estão em áreas de diculdades enormes, Brasil afora, para os jovens ingressarem na prática esportiva. Ao contrário, o Ministério do Esporte prioriza a elite, que tem força de imagem suficiente para buscar outras verbas fora das tetas do governo. RonaldoDaCosta

Finalmente

Se for sancionada, a Lei de Incentivo continuará fora de um contexto maior de aplicação do dinheiro público para o esporte.

Cada fonte que turbina o setor atua sem se preocupar com metas comuns de governo (temos isso?), prioridades nacionais e regionais. O dinheiro da Lei de Incentivo, como está sendo usado, contempla instituições ricas em verbas federais ou clubes de futebol, em detrimento da construção de um país esportivo a partir da base, com consistência sócio-educacional, antes de tudo.

Os renovados R$ 400 milhões da LIE poderão ajudar o Ministério do Esporte a compensar o corte orçamentário imposto pelo governo, mas farão falta para a presidente Dilma tentar tirar as contas públicas do vermelho…


Sem crédito público, Basquete ganha socorro privado para pagar calote
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José Cruz

Bradesco e Nike, patrocinadores da CBB (Confederação Brasileira de Basquete), pagarão a dívida do Brasil junto à Federação Internacional de Basquete (FIBA), em torno de R$ 2,5 milhões, segundo a Folha de S.Paulo. A dívida é referente ao “convite” para a Seleção masculina disputar a Copa do Mundo da Espanha, em 2014, pois não conseguiu classificação em quadra. Com essa pendência, o Brasil ainda não recebeu o convite para ter as Seleções, masculina e feminina, nos Jogos Olímipicos Rio 2016.

Este acordo com patrocinadores privados é porque a CBB perdeu o crédito interno para fechar parceria com qualquer estatal. Perdeu a Eletrobras, em 2013, e tenta os Correios. Mas a direção da empresa está temerosa. Sabe que o presidente-gestor da CBB, Carlos Nunes (foto), é pra lá de reincidente em gestões fracassadas. carlos nunes

Operando com verbas doadas pelo Ministério do Esporte, Lei de Incentivo e Lei Piva, a CBB acumulou em 2014 mais uma temporada de prejuízo, desta vez de R$ 13 milhões. A situação é tão grave que a Unity, auditora das contas do basquete, decretou:

“A entidade vem apresentando déficits sucessivos e, consequentemente, seu patrimônio líquido está negativo, passivo a descoberto. A administração da entidade deve planejar e/ou buscar alternativas de curto prazo para reverter esta situação”.

Ousadia

No sábado, o presidente do COB e Comitê Organizador Rio-2016, Carlos Arthur Nuzman, e o presidente da CBB, Carlos Nunes se reuniram dirigentes da FIBA, para acertar o pagamento do calote, via apoio dos patrocinadores.

Observem:

Carlos Nunes, o gestor que há anos compromete as verbas públicas que recebe, a ponto de criar problemão internacional para o esporte, continua à frente dos negócios da confederação falida.

Nem o governo-doador das verbas, agiu para afastá-lo e estancar o desperdício do dinheiro público.

E o presidente da instituição maior, Carlos Nuzman, dá aval ao fracasso, como se nada de estranho estivesse acontecendo nesses negócios e estivéssemos à frente de pessoas altamente responsáveis!

Não é estranha tanta ousadia?

Foto de Ari Ferreira

 


Doente, Coaracy Nunes deixará a CBDA, em 2016. E anuncia o sucessor
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José Cruz

Com Daniel Brito – do UOL Esporte, em Toronto

Movimentando-se em uma cadeira de rodas  –“problemas com diabetes” –,  o decano dos cartolas brasileiros, Coaracy Nunes, há 27 anos comandando a CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos), anunciou que deixará a presidência da entidade ao final dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, no ano que vem, apesar de seu mandato findar só em março de 2017. E anunciou o sucessor: Ricardo de Moura, superintendente da CBDA, antecipando que quer uma eleição por aclamação, sem oposição. Não terá problemas neste desejo.

Desabafo Coaracyy

“Foi um presente que Deus me deu, esse Pan. Penso que será meu último Pan. Não vou continuar depois da Olimpíada. Não vou abandonar, mas vou acompanhar a confederação de fora. Se precisar, é só me chamar. Eu não estou no esporte para aparecer, eu estou no esporte, porque ele faz bem” – disse Coaracy ao repórter Daniel Brito, do UOL Esporte.

Ordem médica

Estou com problema saúde, que é diabetes. O médico pediu para eu parar. Agora, a minha mulher tem que me acompanhar em todas as viagens. Mas não vou sair da Confederação por causa do problema de saúde, não é nada disso. Vou deixar porque estou cansado mesmo”.

Sucessor

Mas vou deixar a confederação nos trinques. Meu sucessor vai ser o Ricardo de Moura (superintendente da CBDA e chefe da equipe do Pan), um rapaz excelente, muito inteligente, preparado”.

Toronto

Estou muito feliz porque, mais uma vez, com um planejamento tranquilo, fizemos uma grande figura aqui no Pan de Toronto. Estamos no caminho certo, tenho certeza que vamos repetir esse desempenho aqui no Mundial de Kazan” (Rússia) – de 24 de julho e 9 de agosto próximo”.

Memória

Aos 77 anos, completados em abril, Coaracy afastou-se da CBDA por três meses, logo no início do ano. Quando retornou, o dirigente, de longas conversas e discursos, falava pouco. As suspeitas eram de que teria sofrido um AVC, não confirmado oficialmente.

Há um mês, Coaracy participou de uma manifestação na Câmara dos Deputados, quando discursou, normalmente, a favor da renovação da Lei de Incentivo ao Esporte. Ao se retirar, demonstrou não estar completamente bem, pois caminhava amparado por uma assessora da CBDA.

A doença

Segundo um dirigente do esporte, que não quis se identificar, Coaracy Nunes apresentou uma “neuropatia” – destruição do nervo nas pernas – provocada pela diabete, e isso dificulta andar. A neuropatia diabética acarreta problemas digestivos, cardiovasculares, urinários, entre outros.

Mudança de Rumos

Em entrevista que concedeu a este blogueiro, nos Jogos de Sidney, em 2000, Coaracy Nunes disse que ficaria somente mais quatro anos à frente da CBDA. E afirmou que o seu substituto seria o então nadador Gustavo Borges, que se despedia de Olimpíadas no evento australiano. A promessa, anunciada na frente do próprio Gustavo, nunca se confirmou.

A eleição  Ricardo-Moura-Foto-Satiro-SodreAGIF_LANIMA20120722_0034_41Não será difícil para Coaracy fazer o seu sucessor. Aclamado pelos presidentes de todas as federações esportivas, que o mantiveram no poder por sete ciclos olímpicos, ele tem no superintendente Ricardo de Moura (foto) o homem forte na execução dos projetos da CBDA – natação, maratonas aquáticas, saltos ornamentais, polo aquático e nado sincronizado.

Trata-se de um técnico de reconhecimento nacional, organizado e de fácil diálogo, que desde o início deste ano já vem dando perfil mais dinâmico e moderno à gestão da CBDA. Só falta marcar a data da posse.

Fotos:

Coaracy Nunes: DAnielle Rocha

Ricardo de Moura: http://tudosobrenatacao.blogspot.com.br/


A propósito da construção do Sistema Nacional do Esporte
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José Cruz

“Uma nação desenvolvida esportivamente é aquela em que todos cidadãos têm direito e acesso, de forma voluntária e livre, às práticas esportivas (e a outras práticas corporais não esportevizadas); assim como a eficiência do sistema de saúde não se mede pelo número de hospitais de alta tecnologia”

Por Valter Bracht

Nos dias 23 e 24 de junho de 2015 a Comissão de Esportes da Câmara Federal, em articulação com o Ministério do Esporte, promoveu o Seminário “Sistema Nacional do Esporte em construção: sistemas públicos nacionais e modelos esportivos internacionais”. Nesse seminário foram apresentados e discutidos alguns sistemas brasileiros como o SUS e o da Cultura, entre outros, e sistemas esportivos de outros países (EUA, Rússia, Alemanha), além de conceitos e concepções de esporte e modelos de financiamento.

Valter

Na minha intervenção no seminário, na mesa-redonda que discutiu os sistemas esportivos dos EUA, Rússia e Alemanha, destaquei algumas características do esporte moderno e suas implicações para pensar um sistema e as políticas públicas para esse setor. Retomamos aqui, brevemente, alguns aspectos que consideramos importantes.

Um deles é o reconhecimento, já presente na legislação esportiva atual, de que o esporte é hoje um fenômeno diverso e multifacetado. Busca-se captar e retratar essa diversidade nos conceitos de Esporte de Alto Rendimento, Esporte Participação e Esporte Educacional. Apesar da impropriedade da expressão Esporte Educacional, mais adequado seria, a meu ver, Esporte Escolar, o que importa e mais significativo é como compreendemos as características e a função social dessas diferentes manifestações.

Uma primeira observação é a de que esses três subsistemas operam com códigos que orientam suas ações internas muito distintos: O esporte de alto rendimento opera a partir do código binário vitória-derrota; O esporte participação a partir dos códigos do divertimento, da saúde, da sociabilidade, do bem estar; e o esporte escolar com o código da formação (Bildung) ou da educação.

Autonomia

É fundamental reconhecer a autonomia (sempre relativa) de cada uma dessas manifestações e com isso superar o modelo da pirâmide. Esse modelo buscou sempre instrumentalizar o esporte escolar e o esporte participação, colocando-os a serviço do esporte de alta performance. Esse é um equívoco tanto político quanto técnico. A idéia de que a culminância da prática esportiva nacional deve ser o desempenho das nossas equipes nos grandes eventos internacionais produz efeitos negativos no âmbito do esporte participação e escolar.

Uma nação não tem alto índice de desenvolvimento esportivo porque ganha muitas medalhas (essa é uma ideologia construída pelo sistema esportivo e pelos interesses econômicos a ele ligados); uma nação desenvolvida esportivamente é aquela em que todos cidadãos tem direito e acesso de forma voluntária e livre, às práticas esportivas (e a outras práticas corporais não esportevizadas); assim como a eficiência do sistema de saúde não se mede pelo número de hospitais de alta tecnologia.

O esporte de alto rendimento ou espetáculo tornou-se uma prática extremamente especializada, com uma tecnologia muito específica, de maneira que sua relação com a prática esportiva do cidadão comum alterou-se substancialmente.

O cidadão comum não toma como referência para a prática esportiva o que acontece no plano do esporte de alto rendimento. Isso explica porque o nível de prática esportiva por parte da população não é afetado pela realização de megaeventos esportivos em determinado país. Aliás, pesquisas mostram, em alguns casos, um declínio. Isso se deve, em parte, ao fato de que os equipamentos sociais para essas duas práticas são também muito diferentes. O esporte de alto rendimento exige cada vez mais equipamentos específicos e com um nível de tecnologia que os tornam extremamente caros e que não são utilizáveis pela população em geral.

Por outro lado, os equipamentos destinados à prática do cidadão comum têm a vantagem de poder compor de forma muito mais sustentável o ambiente urbano (ao contrário do esporte de alto rendimento, como observamos exaustivamente no caso da cidade do Rio de Janeiro que sediará a Olimpíada de 2016). São também, na maioria das vezes, multifuncionais em contraposição à normalmente monofuncionalidade dos equipamentos do esporte de alto rendimento. Por exemplo: ciclovias são utilizadas para deslocamentos para o trabalho, mas também para o lazer no final de semana pela massa da população, ao passo que um velódromo, que tem custo altíssimo, é utilizado somente para uma prática muito específica, por um grupo seleto e pequeno de atletas e ainda, de forma esporádica.

Esporte para todos

Essas análises desembocam, logicamente, na afirmação de que, para melhorar nosso índice de desenvolvimento esportivo, o sistema e as políticas públicas precisam priorizar efetivamente o esporte para todos (participação, como conhecido). Analogamente ao que acontece com o Sistema Único da Saúde, o SUS, que aposta na atenção básica, na medicina preventiva e da família, a prioridade e os recursos públicos não podem ser destinados ao desenvolvimento do esporte de alto rendimento. Esse é um segmento da economia, e o alto investimento de recursos públicos diretos e mesmo por meio de isenção fiscal é apenas uma forma de subsidiar a indústria do entretenimento no seu segmento, bastante lucrativo, do esporte espetáculo.

O esporte escolar, por outro lado, tem a função de contribuir para a formação ampla do cidadão por meio de uma espécie de “alfabetização esportiva”. Como dizia Paulo Freire a respeito da alfabetização, essa não pode ser ensinar a ler as letras e sim o mundo. Ou seja, esporte escolar é uma importante atividade da escola e deve estar incorporada ao seu projeto pedagógico e não servir aos interesses do esporte espetáculo; ao contrário, seu tratamento pedagógico deve permitir ao cidadão uma leitura crítica do significado do esporte para a sociedade e para a sua própria vida.

Para finalizar lembro que o renomado político da social democracia alemã Helmut Schmidt, já em 1975, numa reunião da Federação Alemã de Esportes em Frankfurt, afirmava que: “o número de medalhas não diz absolutamente nada a respeito da liberdade e do grau de justiça existente numa sociedade”.

VALTER BRACHT atua no Laboratório de Estudos em Educação Física, Centro de Educação Física e Desportos eUniversidade Federal do Espírito Santo