A dívida dos clubes e as dúvidas sobre a MP “salvadora”
José Cruz
De hoje até sábado, publicarei três artigos do advogado Luiz César Cunha Lima, para que o leitor melhor entenda sobre a MP 671 e seus conflitos legais, referentes à dívida fiscal dos clubes. A MP está em discussão no Congresso Nacional, com previsão para ser votada até 17 de julho. Antes, serão realizadas seis audiências públicas com especialistas sobre o tema.
Comentários sobre a MP 671 – parte I
Luiz César Cunha Lima
Advogado
Em 19/03/2015, a presidente da República assinou a Medida Provisória (MP) 671, que institui o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut), mecanismo pelo qual o governo federal fornece descontos para o pagamento de dívidas de clubes de futebol profissional que obedecerem a alguns requisitos.
Um dos requisitos para ingressar no Profut é a demonstração de que os custos com folha de pagamento e direitos de imagem de atletas profissionais de futebol não superam 70% da receita bruta anual. A MP 671 não informa qual foi o critério para estipular esse percentual.
Outro critério para a adesão ao Profut é manutenção de investimento mínimo na formação de atletas e no futebol feminino. A MP 671 não detalha qual deve ser esse valor. Em tese, pode ser de 80% da receita bruta total do clube, o que prejudicaria bastante o investimento na principal atividade dos clubes, o futebol masculino.
A adesão ao Profut é facultativa, pois o governo federal não pode obrigar alguém a ingressar em um programa de parcelamento de dívidas. Sob esse aspecto, não há ilegalidade na medida provisória 671.
O requerimento de adesão ao Profut implica confissão irrevogável e irretratável dos débitos abrangidos pelo parcelamento e configura confissão extrajudicial, o que pode causar um enorme revés financeiro aos clubes prestes a vencer o governo em ações de contestação do valor de suas dívidas.
Se o clube for excluído do Profut, será efetuada a apuração do valor original do débito, com os acréscimos legais na forma da legislação aplicável à época da ocorrência dos fatos geradores. Logo, o clube perderá todos os benefícios do Profut e de demais mecanismos a que tenha aderido, inclusive os da Timemania, o que pode resultar em um retrocesso financeiro gigantesco. A MP 671 não esclarece se esse dispositivo alcançaria também o “Ato Trabalhista”.
Uma vez formalizada a adesão, o clube deverá obedecer a todas as regras estipuladas na MP 671. Caso contrário, estará sujeito às seguintes sanções:
a) advertência;
b) proibição de registro de contrato especial de trabalho desportivo;
c) descenso para a divisão imediatamente inferior;
d) eliminação do campeonato do ano seguinte.
Não há escalonamento na aplicação de sanção, motivo pelo qual um clube pode ser sancionado na primeira infração com uma advertência e outro clube com o rebaixamento, a depender do critério a ser adotado por quem aplicar a pena ou do “peso da camisa”.
Violação constitucional
A MP 671 afirma que a aplicação das penalidades a quem não respeitar as condições do Profut não possui natureza desportiva ou disciplinar e prescinde de decisão prévia da Justiça Desportiva. Isso viola o §1º do artigo 217 da Constituição Federal de 1988 (“O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da Justiça Desportiva, regulada em lei”), pois rebaixamento e proibição de disputar o campeonato do ano subsequente são claramente questões sobre “competições desportivas”.
Caso seja aprovada nos termos atuais pelo Congresso Nacional, a MP 671 poderá ser questionada por algum interessado. Nesse caso, será analisada pelo Supremo Tribunal Federal, guardião soberano da Carta Magna, pois aborda matérias de claro caráter constitucional.
O próximo artigo, amanhã, vai abordar questões esportivas decorrentes da MP 671 e as possíveis conseqüências que a medida provisória pode causar às competições.
Luiz César Cunha Lima é autor do livro “Direito Desportivo” – Del Rey Editora, 2014.