Atleta na escola, que não ensina esporte
José Cruz
Por Aldemir Teles
Escola Superior de Educação Física – Universidade de Pernambuco
Em artigo anteriormente publicado neste espaço, me referi ao fracasso do “Programa Atleta na Escola”, do governo federal, numa parceria entre os Ministérios do Esporte e da Educação. O tal programa foi criado mais pela necessidade de prestar satisfação à sociedade, em virtude da proximidade da Olimpíada Rio 2016, do que dar consistência à formação esportiva e cultural aos milhões de escolares brasileiros
A ação, criada e elaborada nos gabinetes de Brasília, não é suficiente nem me parece a mais adequada para superar a necessidade do acesso à pratica esportiva e, especialmente, da apropriação do conhecimento dos conteúdos do esporte pelos escolares, de forma regular e sistematizada.
Penso que a forma como o “Atleta na Escola” foi idealizado, de forma irrefletida e descontextualizada, não considerou a realidade das escolas, tanto no que se refere às instalações e equipamentos quanto ao currículo escolar da educação física, que não privilegia os conteúdos do esporte, nem mesmo o esporte como componente extracurricular.
Qualificação dos professores
Outra lacuna importante é a deficiente qualificação dos professores, na maioria dos casos, e falta de atualização sistemática desses para atuar no esporte. Quantos professores estão qualificados para preparar um escolar para participar de uma prova de 3000m? Esta é uma das provas da modalidade de atletismo previstas no programa. Correr essa distância em determinada ocasião é muito diferente de participar de competições, que exige uma preparação adequada e sistemática. Além disso, a prova pode significar um risco potencial para a saúde do escolar e é recomendável uma avaliação clínica pré-participação.
Entender essa questão fica mais fácil se compararmos com o “aluno atleta” da Olimpíada de Matemática. Ele estuda essa disciplina durante todo o currículo escolar. Pode até ter reforço com objetivo na participação, mas a aprendizagem ocorre no dia-a-dia. Isso não ocorre com o esporte, que não é suficientemente ensinado, aprendido ou vivenciado nas aulas de educação física, quando acontecem, nem nas atividades extraclasse.
Apesar disso, o programa estabelece a realização das etapas escolar, municipal, estadual, até a fase nacional, como se a realidade das milhares de escolas no país que aderiram à ação estivessem em condições de responder, razoavelmente, às metas estabelecidas. Essa não é a realidade.
Investimentos
Os dados que pesquisei sobre o investimento e participação das escolas e alunos no programa, em 2014, deixaram algumas dúvidas. Por exemplo, quantos dos 4,1 milhões de participantes (18% de escolares da rede pública) chegaram à fase estadual e à fase nacional nos Jogos Escolares da Juventude? Para o investimento de R$ 70 milhões (R$ 1mil por escola; R$ 3,00 por aluno inscrito) é preciso avaliar o resultado do investimento. Assim como outros programas oficiais, a população não tem conhecimento da relação custo/efetividade dos mesmos. Não divulgaram se as metas foram alcançadas ou não. O aumento no número de inscrições de escolas e de atletas não significam, por si só, a qualidade do programa.
Existem acordos com as Confederações para se responsabilizarem pela capacitação dos professores das escolas que aderirem ao programa. É o caso da CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo). Parece-me que essa não é tarefa das confederações. Ouvi, de pessoas do Ministério do Esporte, que “programas de qualificação deveriam ser de responsabilidades de treinadores e não de professores”. Então a ideia vai se confirmando sem nenhuma avaliação crítica da questão. Há uma questão, inclusive, de viabilidade. As confederações não possuem quadros para isso.
A extinção ou não realização do “Atleta na Escola” em 2015, seja pelo motivo que for, pode representar um bom momento para refletir sobre os temas apontados aqui e buscar alternativas mais producentes para assegurar o acesso à prática e à aprendizagem do esporte por milhões de escolares no país.
Contato: aldemirteles@uol.com.br
Nota do blog: a fim de incentivar o debate, este espaço está disponível para publicar outras considerações sobre o tema.