Carta aberta à Presidenta Dilma
José Cruz
O esporte brasileiro em todos os seus segmentos nunca esteve tanto em evidência política-institucional como nos últimos 13 anos; em 2003, o então presidente Lula da Silva criou o Ministério do Esporte.
Nesta Carta Aberta, o professor Lino Castellani Filho faz propostas ao governo, pois o momento é pra lá de oportuno, principalmente porque o Palácio do Planalto entra no diálogo de num negócio altamente perigoso, suspeito e corrupto, o futebol. Enquanto isso, projetos de políticas sociais esportivas ficam esquecidos.
Do Observatório do Esporte
Começo esta carta externando meu respeito a Vossa Excelência, presidenta de meu país, e à sua história de vida. Diferentemente do que possa aparentar estas linhas, estarei votando na senhora nas eleições de outubro próximo, repetindo gesto realizado em 2010.
Não! Não estou satisfeito com todas as decisões tomadas pelo seu governo, mas tenho clareza de ser o PT – Partido ao qual sou filiado desde 1988 -, no atual contexto político brasileiro, aquele capaz de continuar desenvolvendo esforços para minimizar as desigualdades sociais que nos assolam desde sempre…
Poderia aqui continuar seguindo nessa direção, detalhando pari passu os inúmeros equívocos cometidos pelo governo presidido pela senhora, mas não é isso que me proponho fazer aqui e sim me deter em apenas uma das políticas sociais que, a meu juízo, deve ser merecedora de sua especial atenção em seu próximo mandato.
Refiro-me à Política Esportiva.
Faço isso no entendimento de não podermos deixar passar a oportunidade da recente Copa do Mundo de Futebol – e o insucesso de nosso selecionado -, de enfrentarmos de frente as mazelas que afetam essa política setorial não de hoje e nem tampouco a partir de 2003 com a chegada de LULA à presidência do país. Quem as atribui ao governo petista ou age de má fé ou é ignorante da história da política esportiva brasileira.
Também não me limitarei ao futebol, mesmo sabendo ser ele para nós muito mais do que uma questão de vida ou morte… Fato é presidenta, que nesses últimos 12 anos se perdeu rica oportunidade de desenvolvimento de política esportiva que fizesse jus ao nome.
Até que o início em 2003 foi alvissareiro… O Plano Pluri Anual de Governo (2004/07) explicitava equilíbrio orçamentário entre os Programas, reservando lugar de relevo aos projetos sociais esportivos. O documento aprovado pelo Conselho Nacional de Esporte em 2005, autodenominado Política Nacional de Esporte, trazia em seu bojo avanços significativos no entendimento do papel do poder público em relação ao Esporte. As duas primeiras Conferências Nacionais de Esporte, respectivamente intituladas Esporte, Lazer e Desenvolvimento Humano (2004) e Construindo o Sistema Nacional de Esporte e Lazer (2006), davam mostras que o verdadeiramente “novo” estava sendo gestado…
Mas tudo não passou de ilusão… O documento da Política Nacional de Esporte, em sua essência, não chegou a sair do papel. Até hoje frequenta a página virtual do Ministério do Esporte, como que avivando nossa lembrança do que ela poderia ter sido…
O Conselho Nacional de Esporte expressou sua subserviência ao se submeter, docilmente, ao lugar de tabelião das decisões ministeriais, carimbando-as quando solicitado.
As Conferências derramaram um balde de água fria na esperança daqueles que acreditaram que de suas deliberações sairiam o norte da política esportiva. Não só as viram ignoradas como também presenciaram sua terceira versão (2010) ir no sentido contrário a tudo o que até então havia sido motivo de construção coletiva, explicitando o total comprometimento do governo com os anseios do setor conservador do campo esportivo… Plano Decenal do Esporte e Lazer: 10 pontos em 10 anos para projetar o Brasil entre os 10 mais, seu tema central, quase único, refletiu acima de tudo a infeliz coincidência de interesses dos defensores da visão liberal de “cidade empresarial” – para os quais os megaeventos (não só) esportivos eram e são um prato cheio – e os interesses da carcomida “elite esportiva”…
Diante desses fatos, Senhora Presidenta, sugiro a extinção do Ministério do Esporte.
Saiba de antemão que não vai ser fácil fazê-lo, porque contra essa medida se juntarão as forças conservadoras (não só) do campo esportivo brasileiro, nele – assim como também em outras esferas de nossa vida pública – hegemônicas. Sim! Também no interior de nosso Partido encontrará resistência…
Não! Não defendo tal medida por conta do acontecido na recente Copa FIFA aqui realizada. Apenas peço, em contrapartida, que não se deixe enganar pela forma festiva e entusiasmada pela qual ela foi recebida e tratada pelos que aqui estiveram, pois esse crédito precisa ser atribuído a quem de direito, nosso povo.
Defendo sua extinção pelo conjunto da obra…
Vou mais além… Defendo a extinção do Ministério do Esporte por vê-lo como desnecessário em um cenário político que vê no Esporte, não a prática social reconhecida como direito social na letra – infelizmente ignorada – de nossa Carta Constitucional, mas sim como produto/mercadoria altamente rentável, com forte impacto em nosso PIB em razão da força de sua cadeia produtiva.
E não só isso, mas também pela ciência de que seu forte apelo popular é permissionário de ações governamentais centradas no conceito de cidades empresariais, acima já mencionado, articulador dos megaeventos como a Copa do Mundo que acabamos de presenciar e com o qual, com as olimpíadas de verão em futuro próximo, continuaremos a nos deparar, abrindo brechas para fazer de nosso aparato legal de ordenamento da vida nas cidades, tal qual o Estatuto da Cidade se caracteriza, exceção à regra.
Nesse sentido, proponho que a senhora desloque tal política para o, digamos… Ministério dos “Grandes Negócios”. Tenho esperança que assim procedendo, as entidades de administração e prática esportivas deixarão, pelo menos, de ser aquilo em certo momento chamado de “feudos esportivos” voltados à “pequena” política. Já a esperança de que o interesse público prevaleça sobre o privado, dentro da lógica enunciada, não a tenho…
Em relação aos Programas Orçamentários de natureza social, materializados nos comumentemente chamados projetos sociais esportivos, sugiro que os coloque sob a responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Sim, porque penso que se faz necessário acrescentar à cesta do Programa Bolsa Família produtos que venha alimentar a formação humana dos brasileiros, ampliando e qualificando o conceito de inclusão social hoje presente. Afinal os Titãs já cantavam “que a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”…
Nesse particular, estava propenso a sugerir que os recursos do Ministério do Esporte alocados nos seus projetos sociais esportivos fossem canalizados para o de sua “nova casa”, mas ao me lembrar do volume orçamentário a eles destinados ao longo desses anos, entendi por bem me calar por tão irrisórios, insignificantes e desrespeitosos que foram e são.
Resta falar do chamado Esporte Educacional, aquele presente nas instituições de educação brasileiras. Desculpe-me a obviedade do que aqui defendo, mas entendo que deva caber a elas, instituições de educação básica e superior, estabelecerem políticas definidoras de como o Esporte – seja na ótica do conhecimento, na de rendimento/performance ou na perspectiva de fruição no tempo livre de trabalho -, deva compartilhar de seus objetivos institucionais. Com esse proceder, minimizaríamos o risco de ver a presença do Esporte nessas instituições submetida aos objetivos da instituição esportiva e não aos delas, configurativo do quadro exaustivamente denunciado do Esporte Na Escola e não do almejado Esporte Da Escola.
Ao me despedir, sei que a Senhora ficaria satisfeita se os problemas que terá que continuar a enfrentar se limitassem ao terreno aqui enunciado. Sei da envergadura dos desafios que enfrenta e continuará enfrentando na condição de presidenta do Brasil. Peço apenas que não descure destes aqui relatado.
Respeitosamente