Futebol, o Estado e a segurança pública
José Cruz
Por Cássio Cruz
A oito meses do início da Copa do Mundo da FIFA, os dois maiores clubes, bem como órgãos públicos do Rio Grande do Sul, lamentavelmente, seguiram discutindo sobre a liberação de ingressos para o torcedor visitante no clássico Gre-Nal disputado no domingo, pelo segundo turno do Campeonato Brasileiro.
A polêmica, que também se constituiu previamente ao clássico do primeiro turno, girou em torno da segurança pública do Estado. Alguns órgãos alegaram que o clássico deveria ocorrer sem a presença de torcida visitante, enquanto outros alegavam que havia segurança para o torcedor, desde que em número bastante reduzido.
No Gre-Nal do primeiro turno do Campeonato Brasileiro, a Polícia Militar do Rio Grande do Sul (Brigada Militar), afirmou a inexistência de condições à segurança para que mais de 1,5 mil torcedores do Sport Club Internacional pudessem estar presentes na Arena do Grêmio. Fatores como, riscos no deslocamento através de escolta policial, falta de acesso exclusivo para torcedores visitantes, obras inacabadas no entorno da Arena, bem como a falta de recursos públicos, foram os fundamentos explicativos.
O Grêmio, disposto a cumprir o que dispõe o Regulamento Geral das Competições (RGC) da CBF, mais precisamente em seu art. 86, que afirmou:
“O clube visitante terá o direito de adquirir a quantidade máxima de ingressos correspondentes a 10% da capacidade do estádio, desde que se manifeste em até três dias úteis antes da realização da partida, através de ofício dirigido ao clube mandante, necessariamente com cópia às federações envolvidas e à DCO”.
Assim, repassou tão somente os ingressos de acordo com o que autorizou naquele momento a Polícia Militar.Já no segundo clássico, domingo passado, em Caxias do Sul, a diretoria do Internacional quis repassar o mesmo percentual de ingressos ao torcedor visitante.
O Grêmio, por seu presidente, bateu o pé. Quis ver cumprido o referido Regulamento. Com isso, não aceitou os 500 ingressos disponibilizados, e, ainda, acionou o Superior Tribunal de Justiça Desportiva que, em decisão liminar, determinou o aumento do número de ingressos que deveriam ser comercializados.
A decisão, em que pese tenha tido um resultado apenas satisfatório, considerando o pedido do clube, ao menos resguardou a essência de uma partida importante.
O clássico Gre-Nal, que faz parte da cultura do Estado do Rio Grande do Sul e que sempre teve a presença de torcedores visitantes em grande número, atualmente, tendo tal discussão ao seu redor, corre sérios riscos de ser presenciado por torcedores únicos, num período próximo.
Novamente temos no Poder Público, que lamentavelmente alega falta de recursos e logística para oferecer um direito social constitucional que todo cidadão tem, e observando ainda o mérito específico da questão, um direito que o torcedor tem disposto pela Lei nº 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor), que é o de ter segurança, o grande causador de toda a polêmica.
O Poder Público, seja no âmbito municipal, estadual ou federal, prefere tornar ineficazes as normas que regulam a segurança pública, ao ter de proceder corretamente e com competência.
É lamentável ter de sentir que, quando o povo exige o cumprimento de deveres e obrigações do Estado, se solicita um favor. Estamos diante de uma grave troca de valores.
O detalhe contestável, é que estamos vivendo momentos que antecipam um evento como a Copa do Mundo. E isso, é mais uma comprovação, dentre tantas outras vistas e vivenciadas, de que, em se tratando de segurança, por conta da Administração Pública, o Brasil não oferece as condições ideais para sediar a maior competição internacional de futebol.
Cássio Cruz, estudante de Direito, trabalha no Departamento Jurídico da OAB/RS.