A Copa e a natureza
José Cruz
Numa madrugada da semana passada, funcionários da Prefeitura de Porto Alegre começaram a derrubada de árvores num largo para caminhadas na capital gaúcha, próximo do estádio BeiraRio, terceirizado pelo Inter para a Andrade Gutierrez. O Grêmio, por sua vez, construiu um estádio novo, semialienado à OAS. Mas a história é sobre derrubada de árvores.
A poda só parou quando 14 das 144 previstas estavam no chão, graças à intervenção de jovens que subiram nas árvores por derrubar.
Sobre o assunto, o jornalista e cronista Juremir Machado da Silva escreveu a crônica abaixo, publicada no jornal Correio do Povo. Confiram.
JUREMIR MACHADO DA SILVA
As árvores
O prefeito José Fortunati, que é um homem sério, deu uma pisada na bola. Deve ser a aproximação da Copa do Mundo. O Brasil de Felipão pisou na bola contra a Inglaterra.O Inter de Dunga pisou na bolinha em Lajeado. Neymar não botou o pé em cima da bola como costuma fazer quando joga em casa. E aí está a diferença: uma coisa é pisar na bola, outra é botar o pé em cima dela. O PT pisou na bola ao apoiar Renan Calheiros e Henrique Alves, bolinhas murchas carimbadas do PMDB e da política dos velhos cartolas. Fortunati pisou na bola com a sua frase já antológica para justificar a sua poda ao verde de Porto Alegre: “As pessoas não usam essas árvores”.
O imaginário popular entrou em ação. O que significa usar árvores? Subir nelas? Sentar-se à sombra delas? O fato de elas existirem já não serve naturalmente aos homens? Não os faz usuários delas? É tudo pela Copa. O Rio Grande do Sul embarcou nessa lorota. A Fifa vendeu uma catedral para os brasileiros. Aplicou o velho conto do vigário. Mudou as nossas leis, não vai pagar certos impostos que nós, brasileiros, continuaremos a desembolsar e ainda vai contar com trabalho voluntário. Por que mesmo alguém quer ser voluntário para a Fifa ganhar dinheiro? Inter e Grêmio atiraram-se furiosamente à água. Acabaram no colo da OAS e da Andrade Gutierres. Tudo porque é moderno dar dinheiro para empreiteiras sonsas que trabalham com financiamentos do BNDES a juros baratinhos e camaradas.
Porto Alegre ainda não engoliu bem essa lógica de ter de fazer tudo pela Copa. Antes, não existiam recursos. De repente, passaram a jorrar. Entramos na política do pretexto. Havendo motivos, a grana aparece. O motivo, contudo, pode ser fútil. É tudo pela Copa, tudo pela Fifa, tudo pelo futebol. Até as árvores precisam dar a sua contribuição. Não podem atrapalhar o progresso, precisam sair da frente, dar espaço, facilitar a mobilidade urbana, ajudar a manter aceso o fogo da guerra simbólica comandada pela mais poderosa instituição mundial: a Fifa. Fortunati está fazendo o que outros, no seu lugar, fariam. O PT não hesitaria. O PSDB ofereceria mais algumas arvorezinhas pelo choque de gestão. Porto Alegre, parece, nunca mais será a mesma depois da Copa.
O único clube brasileiro que resistiu à Copa foi o São Paulo. Está reformando o Morumbi e terá, sem dividir com empreiteira alguma, um dos melhores estádios da América Latina. Não perderá a honra nem se sentirá menor diante dos rivais. Para tomar uma atitude assim é fundamental não ter complexos. A Copa do Mundo é uma jogada de empresários e de políticos.
Só eles vão ganhar em qualquer cenário e com qualquer escore. Consta que Henrique IV, para assumir o trono da França, precisou converter-se ao catolicismo, o que fez com uma tirada espirituosa: “Paris vale bem uma missa”. José Fortunati deu um passo à frente. Poderia ter dito jocosamente: a Copa do Mundo em Porto Alegre vale bem umas árvores.