Perpetuação dos cartolas: alternativas legais para mudar a regra do jogo
José Cruz
Por Alan Pessotti
Hoje, discute-se muito a perpetuação dos dirigentes nas entidades de administração esportivas (federações, confederações e comitês) e de prática esportiva (clubes). Fala-se em projetos de lei que limitariam o número de reeleições permitidas.
A intenção é excelente, mas deve-se ter muito cuidado para que as medidas não sejam legalmente ineficazes, simplesmente por serem inconstitucionais, vejamos o texto da Constituição Federal:
Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:
I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;
Analisando o texto constitucional, percebemos que cabe a cada entidade a sua administração, que seria o gerenciamento em si, e a organização, dada pelos seus estatutos.
São entidades privadas e o poder público não pode interferir nestes aspectos, nem através de uma lei, pois esta independência é garantida constitucionalmente.
Uma lei no sentido de limitar as reeleições seria um esforço em vão, pois no dia seguinte estaria com os efeitos suspensos liminarmente no STF.
Também fala-se em limitar as reeleições nos clubes. Isso vejo como absolutamente impossível, pois os clubes têm um caráter muito mais privado do que as federações, pertencem aos sócios, que definem os seus estatutos.
Qualquer tentativa nesse sentido seria ainda mais inconstitucional por ferir o direito de propriedade.
Alternativa
Uma das soluções seria uma emenda constitucional, modificando o art. 217, limitando o número de reeleições. Como o tempo urge em relação aos eventos vindouros, não seria o ideal, por ter uma tramitação muito mais demorada, e quando viesse a ser aprovada o dinheiro público já teria ido todo pelo ralo. Mas nada impede que a emenda seja feita a médio prazo.
O que poderia ser feito em relação às entidades de administração esportiva é uma lei que vedasse o repasse de verbas públicas – da administração direta, indireta, patrocínios de empresas públicas e sociedades de economia mista, além de incentivos fiscais – a entidades que permitissem mais de uma reeleição.
Outra medida não necessitaria de nenhuma lei, bastaria que os Tribunais de Contas e o Ministério Público apertassem a fiscalização pois praticamente todas estas entidades têm mais de 50% de sua receita proveniente do dinheiro público, o que faz com que sejam enquadradas na lei de improbidade administrativa.
Como disse acima, quanto aos clubes, não haveria como controlar os seus aspectos internos. O que poderia ser feito é regulamentar a aprovação de incentivos fiscais a clubes inadimplentes com o Estado.
Hoje, o clube deve estar com suas contas em dia para terem estes incentivos aprovados, mas muito conseguem as verbas através de entidades fantasmas, como ONGs, OSCIPs e associações.
Uma idéia que também poderia ser inserida em um novo projeto de lei seria a obrigatoriedade de concurso público para os funcionários das entidades desportivas que tenham verbas públicas que concorram em mais de 50% de seu faturamento. Seriam funcionário celetistas, qualificados, estáveis e, teoricamente, imunes às mudanças políticas.
Claro que ainda haveriam os cargos de livre nomeação pelo presidente, gente de sua confiança que comporia a diretoria e importantes para a sua administração.
Outra obrigatoriedade para estes funcionários seria respeitar o teto salarial do funcionalismo público, tendo em vista que os seus salários são pagos com o dinheiro público.
Conclui-se que a solução seria asfixiar financeiramente estas entidades através de mecanismos legais. Sem dinheiro não haveria uma vontade altruística de perpetuação. E que os patrocínios aos atletas sejam pagos diretamente a estes, sem passar pelas federações e confederações.
Assim, quem realmente faz o esporte não sairia prejudicado.
O autor é ex-atleta e advogado especialista em assuntos do esporte