Zequinha Barbosa: realidade do atletismo ainda é muito difícil
José Cruz
“Eu digo que o atletismo ou esporte em geral têm de estar a onde a criança está. A criança está na escola e é lá que atletismo tem de estar. Porque sem matéria prima não temos talentos, sem talentos não temos resultados e sem resultado não temos medalhas”
Um dos grandes meio-fundistas do Brasil – bronze nos 800m no Mundial de Roma, 1987, e prata na mesma prova, em Tóquio, 1991 – Zequinha Barbosa está “preocupado” com os rumos do atletismo brasileiro.
Junto com Joaquim Cruz (ouro em Los Angeles, 1984) e Agberto Guimarães, todos treinados por Luiz Alberto de Oliveira, Zequinha lamenta que sua geração não tenha inspirado novos competidores do atletismo. Em olimpíadas, ele esteve em duas finais: foi sexto nos Jogos de Seul, 1988, e quarto em Barcelona, em 1992.
Livre de uma acusação de assédio sexual – foi absolvido pelo Superior Tribunal de Justiça – Zequinha deu novos rumos à sua vida de desportista: voltou para os Estados Unidos, onde fez boa parte de sua carreira de profissional, numa época de escassez de recursos financeiros no Brasil, sem Bolsa-Atleta ou Lei de Incentivo ao Esporte.
Pior para o Brasil, que perdeu com a experiência desse potencial para a formação de novas equipes. Joaquim Cruz continua morando nos Estados Unidos, onde também é técnico. Agberto trabalha no Comitê Olímpico Brasileiro, e apenas Luiz Alberto continua ligado ao atletismo brasileiro, dirigindo o Centro de Treinamento de Uberlândia (MG). A seguir, a entrevista com Zequinha Barbosa:
Você está na Califórnia há três anos. Por que essa opção de voltar aos Estados Unidos?
Zequinha – Voltei para os Estados Unidos em fevereiro de 2009, convidado por Leandrinho, atleta da NBA (Phoenix Suns, 2008/2010), para desenvolver junto a ele uma preparação física diferenciada. Trabalhei dois anos como condicionador físico dele. Morar novamente nos Estados Unidos significou para mim, em primeiro lugar, uma oportunidade profissional diferenciada, dado à minha formação em educação física e a experiência como atleta olímpico, além de poder ficar perto de minhas filhas. Na verdade, não foi ofertado a mim oportunidade de trabalho no Brasil que pudesse fazer frente à experiência acumulada durante minha vida no esporte.
Atualmente, qual a sua atividade?
Hoje eu sou técnico de atletismo e cross country em uma escola do ensino médio. Também sou assistente técnico de cross countryem Junior College(faculdade)em San Diego(Califórnia). Atuo também como técnico de atletismo no alto rendimento e condicionador físico para atletas de alto nível em várias modalidades de esportes (atletismo, futebol, basquete, basebol, futebol americano, tênis e triatlo).
Você tem duas medalhas em campeonatos mundiais. Mas não tivemos seguidores de destaque nessa prova, que teve Joaquim Cruz como expoente. Por que?
Zequinha – Sinceramente acho que eu, Joaquim, o Agberto Guimarães e o Luiz Alberto (técnico) deveríamos ter unido forças para criar uma escola de meio fundo brasileira. Não somos azarões ou iluminados. Simplesmente desenvolvemos novos métodos e trabalhos sérios. Como acontece em países como o Quênia, Jamaica etc, seus atletas voltam para seus países de origem com o knowhow adquirido no exterior e desenvolvem um trabalho em conjunto para a evolução da modalidade e do atletismo nacional. No nosso caso, sem um projeto coletivo nacional, cada um seguiu seu destino. Acredito que isso não foi produtivo e serviu para que houvesse seguidores do meio fundo no Brasil.
Qual a sua avaliação sobre o atletismo brasileiro na atualidade?
Zequinha – Há tempos ando um tanto preocupado com os rumos do atletismo no Brasil. Preocupação essa oriunda do amor que tenho pelo esporte, o que muito me orgulha. Como atleta que participou de quatro olimpíadas e, num tempo em que tudo era muito diferente, desde a medicina esportiva até o relacionamento com o patrocinador, percebo que as melhorias dos tempos atuais e o espelho e incentivo da minha geração não estão resultando em desempenhos significativos nos dias atuais. Por parte dos atletas é necessário a consciência de que é preciso manter-se bem fisicamente, sem extravagâncias, comprometimento com plano estabelecido pelo treinador, zelar pelo bem-estar da equipe, evitando qualquer tipo de picuinha ou desgaste desnecessário. Vida de atleta se faz principalmente fora dos holofotes. Atletas, não se contentem apenas com índices para viagens. Façam o melhor, façam história.
Você acredita q e poderemos ter uma equipe mais competitiva para os Jogos 2016, apesar de não termos muitas promessas juvenis?
Zequinha – Acreditar eu sempre acredito. Agora na nossa realidade isso está muito difícil. Primeiro, há quatro anos já deveríamos termos feito um planejamento para atletismo nacional para que pudéssemos mudar ou dar um rumo a ele, levando para um nível ainda mais alto que na nossa época. Um atleta olímpico leva no mínimo oito anos para ser formado. Estamos a quatro anos dos Jogos Olímpicos do Rio. Sem falar que as promessas para o atletismo ainda são muito poucas e falta tempo hábil para esses atletas brilharem na Olimpíada de 2016.
O que fazer para mudar essa realidade?
Acho que muitas coisas devem e poder ser feitas no Brasil para que possamos nos tornar uma nação olímpica. ''Todo artista tem de estar a onde o povo esta'', diz o poeta-cantor Milton Nascimento. Eu digo o atletismo ou esporte em geral, tem de estar a onde a criança está. A criança está na escola e é lá que atletismo tem de estar. Porque, sem matéria prima não temos talentos, sem talentos não temos resultados e sem resultado não temos medalhas.