O povo é um “ignorante” olímpico
José Cruz
Rosicleia Campos, técnica de judô, disse que, em termos olímpicos, “o povo é ignorante”. O desabafo está no site da revista Época.
Em tese, faz sentido. Até porque sua manifestação ocorreu num momento de extrema emoção diante do fracasso de muitos brasileiros em terras londrinas.
As arquibancadas vazias no Troféu Brasil de Atletismo, última seletiva olímpica, é um dos sintomas da “ignorância” nacional.
A ausência de público e estudantes nas principais competições de natação também é indicativo da tal ''ignorância''.
O abandono das instalações do Pan 2007 é outra prova da ''ignorância'' política.
Acostumado com a Seleção de Futebol – essa sim, inserida na cultura dos ''entendidos'' em esporte – o brasileiro não entende as dificuldades, primeiro, para se tornar atleta juvenil. Depois, para evoluir na carreira. E a partir do instante em que um competidor chega à delegação olímpica, o resultado passa a ser esperado. E cobrado.
Pior: a própria mídia, amparada por patrocínios de empresas que investem nesses atletas, ajuda a construir o ''ídolo'', e aí cresce a pressão.
Mas o buraco é mais embaixo, cara Rosicleia, técnica que participa de uma geração de resultados no judô. E técnicos e atletas estão, também, no contexto da “ignorância” nacional.
Não temos o espírito de classe entre essas categorias. Há um jogo de disputas por baixo dos tapetes, de tentativas de superação entre uns e outros, próprias do esporte, mas, muitas vezes, ignorando a própria a ética.
Falta diálogo ente os atletas da própria categoria; faltam denúncias das barbaridades praticadas pelos cartolas. O silêncio e a omissão predominam. É cada um por si.
O Comitê Olímpico Brasileiro tem um ''Conselho de Atletas''. Qual dos seus integrantes conhece a realidade na base, na iniciação? Duvido que algum desses ilustres senhores tenha descido de seus pedestais de famosos para dialogar com quem está enfrentando o inferno da iniciação, sem patrocínio e Bolsa Atleta desvalorizada. Assim, como podem defender a categoria em suas necessidades? Ai, também, cara Rosicleia, identifica-se a “ignorância” olímpica.
E se formos desfiando o novelo chegaremos ao ponto de partida: educação. Se faltam condições às escolas para a prática da elementar “educação física”, indispensável para a formação de uma cultura esportiva, não é de admirar que o brasileiro se reúna só a cada quatro anos para vibrar e… cobrar.
E a cobrança, Rosicleia, faz sentido. Porque é o “ignorante” do torcedor que paga a conta bilionária do esporte.
As principais fontes de financiamento do esporte olímpico são verbas públicas. E se há dinheiro há 11 anos – dois ciclos olímpicos e meio – e faltam resultados, é porque algo está mal. E muito mal, mas de cuja identificação dessas mazelas não conta com a participação de técnicos e atletas para alertar e contestar nossas autoridades e, principalmente, o “torcedor ignorante”.
O ponto de partida de um país olímpico está na escola. Mas o Brasil, por imposição do COB e aval do governo, foi na contramão dessa lógica mundial.
Assim, nos tornamos olímpicos na teoria, mas na prática ainda estamos na idade da pedra.
Fazemos projeções de medalhas para tentar desmontar os argumentos dos críticos de uma realidade que se renova a cada quatro anos.
Mas não conseguem iludir a “ignorância esportiva” sobre o jogo de interesses que o esporte esconde.
Porque, uma coisa são os Jogos, histórica Olimpíada. Outra, são os negócio$…
E é desse negócio que técnicos e atletas também participam, com a conta paga pelo “ignorante torcedor”.
Enquanto isso, na escola, isolada desse contexto, a garotada iludida agita a bandeirinha do patriotismo esportivo.
Confira a bronca de Rosicleia