Esporte comunitário, a realidade possível
José Cruz
Ainda longe do perfil de um corredor e vestindo bermuda, tênis e camiseta de passeio, o mineiro Daniel Eloi de Melo passou pelo primeiro teste para se tornar atleta.
Incentivado pela irmã Edna, Daniel faltou duas horas ao trabalho, numa feira de roupas – a 30km de Brasília. Ao final de uma corrida de 600 metros, cumpridos abaixo de dois minutos, na ainda nova pista do Centro Olímpico de Ceilândia, Daniel estava aprovado para a próxima etapa que selecionará 30 candidatos para o programa ''Rumo ao Pódio Olímpico'', de olho nos Jogos Rio 2016.
A iniciativa para formar atletas é do Instituto Joaquim Cruz, no Distrito Federal, e o teste realizado no sábado, sob a direção de Ricardo Vidal, foi numa região de tradicionais fundistas, um deles Marilson Gomes dos Santos, bicampeão da Maratona de Nova York, já classificado para os Jogos Olímpicos de Londres.
O início
Edna inscreveu o irmão no teste no último dia permitido pelos organizadores.
“Ceilândia, onde moramos, tem forte influência de traficantes de drogas. Por isso é importante que os jovens se envolvam com o esporte. Lembrei que meu irmão poderia tentar se tornar atleta e ele aceitou o desafio”.
Daniel foi à pista e, mesmo sem roupas e tênis adequados, demonstrou na curta corrida-teste passadas largas e consistentes até o final.
“O garoto é do ramo, leva jeito, pode ser orientado para se tornar um bom fundista”. Palavra do experiente Ronaldo da Costa, Ronaldinho, ex-recordista mundial de maratona (2h06min), um dos instrutores do projeto do Instituto Joaquim Cruz.
Esperanças
Depois de muitos anos voltei a uma pista de atletismo, onde já realizei boas reportagens e contei histórias de vidas que a modalidade sempre guarda. Estava com saudades, confesso.
Desta vez o encontro foi no Centro Olímpico de Ceilândia, do Governo do Distrito Federal, com espaços para várias modalidades – natação, basquete, vôlei, futebol etc. Mas esses centros – nove ao total, cinco em funcionamento – são, antes de tudo, redutos de concentração comunitária em regiões onde faltam opções para os jovens, principalmente. Melhor: as famílias acompanham os garotos, para reuniões e atividades lúdicas com os instrutores, num processo interação social a oartur di esporte.
Para quem faz críticas à falta de políticas públicas de esporte, fiquei feliz ao ver o Centro de Ceilândia lotado: 1.400 pessoas estiveram lá no sábado passado, só pela manhã, repetindo uma experiência de bons resultados verificados no Rio de Janeiro, de onde veio a ideia dos Centros Olímpicos. Ainda são poucos espaços como o de Ceilândia para uma capital com 2,4 milhões de habitantes e com forte influência do tráfico de drogas, principalmente explorando a inocência de crianças moradoras de regiões de muita pobreza, com promessas de ganhos fáceis.
Outro aspecto altamente positivo desses centros é que ex-atletas da cidade estão vinculados às suas direções, numa tentativa de afastar a influência política de aproveitadores de ocasião.
Carmem de Oliveira, Ricarda, Pipoka, entre outros, sob a liderança do secretário de Esporte, Célio René, respeitado karateca, campeão pan-americano, são alguns dos nomes que integram o “comitê de governança”, apoiados por um Conselho Comunitário.
Essa é a proposta básica: Integrar Centros Olímpicos cada vez mais à rotina das cidades, para que suas atividades prossigam independentemente da mudança de mudanças de governos. Se conseguirem isso, o direito da população de praticar esportes e ter espaço para o lazer estará garantindo.
Enfim, ganhei o sábado ao constatar que a discussão teórica que neste espaço se trava sobre o direito de esporte para todos – previsto na Constituição – é possível de ser realizada, com resultados efetuvis,
A decisão – geralmente burocrática – de construir e manter os centros olímpicos é política.Mas é indispensável a participação comunitária no acompanhamento da gestão dessas áreas, para evitar que se tornem redutos de políticos ou cabides de empregos de governos. Que esses esses espaços sejam, antes de tudo, um direito efetivo da população.