Blog do José Cruz

Bolsa-Atleta: avanços e recuos

José Cruz

Pela primeira vez, oito anos depois de ter sido criada, a Bolsa-Atleta teve solenidade para a divulgação dos nomes dos mais de quatro mil contemplados.

Faz sentido. A cerimônia,  em São Paulo, foi mais uma etapa do roteiro do ministro Aldo Rebelo para recuperar a imagem e credibilidade do Ministério do Esporte e, por extensão do PCdoB, seu partido.

Porque, como muito já se comentou, a Bolsa-Atleta era um dos setores que carecia de tratamento profissional. E ganhou.

Programas de longo prazo de governo precisam de atualizações freqüentes e o Bolsa tem, agora, faz sua primeira grande reforma. Mas ainda tem falhas.

Que me desculpem os gestores do programa, entre eles Marco Aurélio Klein, com quem troco idéias frequentemente. Ele se esforça para, enfrentando a burocracia do Executivo, tentar dar rumo e atualizar o pagamento dos valores.

Mas são duas questões que tomo a liberdade de comentar:

A Portaria  164 do Ministério do Esporte de outubro do ano passado estabelece novos critérios para a concessão da Bolsa.

Passou a exigir, por exemplo, seis competidores de estados diferentes nas provas (natação, atletismo, tênis, hipismo etc), para homologar o benefício da Bolsa aos campeões.

Essa exigência repercutirá negativamente junto aos paralímpicos, principalmente, pois há carência de atletas que se enquadrem na mesma classificação. E se forem agrupados atletas com deficiências próximas alguém levará vantagem na disputa.

Portanto, isso contradiz o texto da lei da Bolsa Atleta, que determina contemplar os melhores, independentemente do número de competidores.

Patrocínios

Em segundo lugar: o primeiro nome da lista dos contemplados com a Bolsa-Atleta divulgada ontem é Thomaz Bellucci.

Tenista profissional, Thomaz tem patrocínios do Banco Votorantim, Correios, Gilette, Adida e Wilson. Assim como Robert Scheidt, atleta do Banco do Brasil, também patrocinado pela CNA, Prada e Rolex.

No entanto, esses e tantos outros atletas consagrados e, por isso, já com excelentes patrocínios, são os que mais recebem do Ministério do Esporte.

Premiar os melhores com mais faz sentido. Mas se o objetivo da Bolsa é contribuir para o desenvolvimento dos atletas, e os que estão na base são os que, sem outros apoios porque ainda não são famosos, menos recebem. Em decorrência, passam por maiores dificuldades para evoluir. Isso é real para quem frequenta  pistas, piscinas, quadras de tênis etc.

Insisto no atleta da base: continua desassistido.

O dinheiro da Lei Piva não chega até ele; muito menos patrocínios. E o valor de sua bolsa é pequeno diante das necessidades de viajar para competir, se alimentar adequadamente, pagar academia, técnico, comprar equipamentos etc.

Nas minhas andanças de rotina converso com atletas e técnicos da iniciação e sei bem o que é a luta para tentar chegar ao topo. E o próprio governo tem interesse nessa evolução, pois a renovação das equipes é indispensável.

A Bolsa-Atleta é mais um na série que o governo federal dispõe para contemplar o esporte de rendimento. Por isso, a avaliação precisa levar em conta o contexto geral dos recursos aplicados – patrocínios, orçamento ministerial, Lei de Incentivo, Lei Piva etc –  e não de forma individual, como ocorre.

Portanto, mais do que uma revisão o programa precisa de uma rigorosa avaliação, para que os valores públicos não se concentrem na cúpula, na elite, no atleta pronto e já contemplado com poderosas marcas. Mas uma revisão que leve os técnicos do Ministério aos locais de treinos e ali conheçam a relidade e dificuldades afins para se formar um atleta no Brasil.

Finalmente: sugiro a leitura  do recente trabalho do Professor Fernando Franco, do Centro de Estudos de Atletismo, em que ele demonstra, com números oficiais, as disparidades na concessão da Bolsa. Em próximas mensagens comentarei sobre esse trabalho.