Copa 2014 e o jornalismo investigativo
José Cruz
Num rápido curso em São Paulo – acompanhamento dos gastos públicos com a Copa 2014 e Olimpíada – observei que, além do interesse de jovens jornalistas. há um tanto de indignação com as desinformações oficiais.
O curso – que se realiza também a distância – é iniciativa da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) com a Associação Contas Abertas, dirigida por Gil Castello Branco, também instrutor, especialista que é em contas públicas.
Ao final de seis horas de conversa e troca de informações com jornalistas de vários estados, constatou-se que o governo está perdido no quesito que prometeu eficiência: transparência nas despesas para a Copa 2014.
Sem exageros, os principais portais de fiscalização “batem cabeça”, pois os valores divulgados estão desatualizados em até três ou quatro meses. Os números no portal da Controladoria Geral da União, (CGU), por exemplo, não conferem com os registrados pelo Senado Federal. E o próprio Tribunal de Contas da União (TCU) aponta para a fragilidade do sistema que, por extensão, dificulta o trabalho dos auditores.
E porque isso ocorre?
Em primeiro lugar porque a Copa do Mundo no Brasil tornou-se uma ação política. Os critérios para a escolha da sedes é um dos indicativos dessa realidade.
Em segundo lugar, as empreiteiras que estão nos principais canteiros de obras dos estádios e obras outras são importantes contribuintes de campanhas eleitorais.
O deputado ou senador que hoje aprova legislações afins poderá ser o prefeito ou governador no ano seguinte e, como tal, o ordenador de despesas para obras que serão executadas pela doadora de campanha. Conhecem a história do “é dando que se recebe”?
Ou seja, são muito próximas as relações entre os gestores da verba pública e executores de contratos. A isso, junte-se a burocracia estatal e a estrutura do futebol, com seus cartolas insaciáveis.
No meio desse jogo de interesses está o torcedor-contribuinte. E, mesmo sendo ator direto dos gastos, ele espera mais pelo momento de ver a bola rolar – no bom sentido, claro – do que cobrar transparência nas contas públicas.
O que mais chama atenção nesse contexto é a frágil atuação do governo que, até agora, não conseguiu implantar um sistema confiável de transferência de informações entre os órgãos fiscalizadores.
É uma deficiência que assusta, pois vivemos tempos de trocas de informações instantâneas. A situação é tão grave que o Tribunal de Contas da União (TCU) cobra ação efetiva, via Ministério do Esporte, onde os dados deveriam ser inicialmente centralizados. Em vão, pois não há interesse em transparência alguma.
Alexandre Guimarães, consultor do Senado Federal, revelou que, mesmo como representante do Poder Legislativo, tem dificuldades para obter dados confiáveis e repassá-los aos senadores.
“O real valor do custo da Copa só saberemos em 2015”, disse Alexandre. Algo assim como ocorreu com o Pan 2007, que até hoje tem várias contas enroladas no TCU. É próprio do “sistema público” enrolar, atrasar, esconder, desinformar para que o fato torne-se esquecido.
Fiscal
Diante disso, o jornalista precisa atuar como “fiscal anônimo” do torcedor-contribuinte, para que a sociedade não fique totalmente desprotegida, facilitando a ação dos espertos de plantão.
O trabalho de levantamento de informações, que deveria ser rotina facilitada do repórter graças aos recursos da tecnologia passa a ser investigação exaustiva e, por isso, valorizado trabalho dos que têm a missão de informar.
Algo assim, escreveu James Reston – jornalista escocês que se consagrou no Estados Unidos:
“O repórter deve se comportar como cão de guarda, que rosna contra os abusos do Poder e não como cãozinho de estimação, que sacode o rabo quando vê o dono”.