Festa da bola: “Vida que segue”
José Cruz
Que toda a exposição que Neymar terá, agora como autor do gol mais bonito de 2011 – e que gol! –, consagrado pela eleição da Fifa, contribua para despertar nos jovens o desejo de termos um país esportivo com mais dignidade e politicamente mais sério.
Passado e presente
Em 1958 acompanhei por um radinho de pilha – a extraordinária invenção da época – a primeira conquista brasileira de um título mundial. Brasil 5×2 Suécia. Em 1962, na conquista do bicampeonato, no Chile, tínhamos outra grande invenção, o vídeo-tape!
Hoje, acompanho pela TV, ao vivo, a festa da Fifa, premiação aos melhores do mundo de 2011, a “Bola de Ouro” da Fifa.
Essa transição da tecnologia em cinqüenta anos é espetacular e emocionante. Tão emocionante como o futebol que nos leva à arquibancada ou nos prende a uma cadeira, na torcida pelo espetáculo da bola, por um gol como os de Neymar, uma jogada como as de Ronaldinho Gaúcho, enfim.
Festão
Festa de luxo em Zurique com presença de personalidades internacionais.
O Brasil teve dois representantes, o que demonstra a “unidade” das autoridades políticas do futebol no país da Copa 2014: Ronaldo, pela CBF, e Pelé, anunciado como o “Atleta do Século”. Nossos dois fenomenais ex-jogadores brasileiros estão, agora, em campos políticos opostos.
No discurso, Sua Majestade apresentou-se como representante da presidenta Dilma Rousseff. Governo e CBF, cada um na sua…
Poder
A festa da Fifa é o ponto final de uma temporada que demonstra o poder do futebol e atende aos poderosos patrocinadores. E que “poderosos”! Coca-Cola, Adidas, Emirates, Sony, Visa, Hyundai.
Por aqui as coisas vão mal. Tanto, que nem Havelange nem Ricardo Teixeira deram as caras na festa da Fifa, logo onde já tiveram seus dias de glória… E, por tantas “glórias recebidas”, agora são indesejados por lá.
Não que Blatter, o poderoso chefão, seja flor de odor agradável, ou que a hipocrisia esteja afastada da Fifa. Mas Blatter é o dono da bola e do campo de jogo. Logo…
Balanços
É neste contexto que o Brasil se apresenta atualmente em sexto lugar no ranking mundial de seleções de futebol.
Mesmo assim, teve aumento de 57% em suas receitas de patrocínios entre 2008 (R$ 104,7 milhões) e 2009 (R$ 164,9 milhões), valores que devem crescer quando conhecermos o balanço de 2011.
Já o futebol nacional teve receita de R$ 566 milhões em 2009, aí incluídos recursos gerados pelos clubes e pela CBF. Resultado: crescimento de 274% nos últimos oito anos, revela Amir Somoggi, da BDO RCS Auditores Independentes, de São Paulo.
Diferenças
Números, festas, homenagens, muito dinheiro, glamour. Tudo isso faz parte do cenário futebolístico internacional, que esconde nas emoções do jogo da bola fenomenais falcatruas e intensa corrupção.
Do que li e ouvi de autoridades no último ano, não tenho mais dúvida de que o esporte em geral e o futebol em particular movimentam uma fenomenal máquina de lavar dinheiro, enriquecendo uma elite movida pelo esforço dos atletas e promovendo projeção social ilusória.
Ronaldo, Pelé, Neymar, Messi, enfim, são protagonistas de luxo desse espetáculo esportivo-econômico-financeiro que se tornou emocionante e bilionário, mas de exaltação para poucos.
Porque, afinal, do lado de cá, por exemplo, outro astro da bola que já esteve no topo dos melhores do mundo, Ronaldinho Gaúcho, está ofuscado. E nesse mundo de festas e valores não consegue, sequer, receber do Flamengo os seus salários em dia. Três meses de atraso. Mas o clube fala em novas contratações.
Vida que segue…
Em 2001, documentos oficiais da CBF revelavam que apenas 3,7% dos jogadores profissionais brasileiros recebiam mais de 20 salários-mínimos (R$ 151,00 à época).
Mais: em 1996, 81% dos profissionais do país recebiam até dois salários mínimos, número que saltou para 84,8% em 2000. Os dados estão no relatório da CPI da CBF Nike, e, apesar do tempo passado, essa realidade em termos percentuais não mudou muito até hoje.
Como diria João Saldanha: “Vida que segue”.