Blog do José Cruz

O lado criminoso do futebol e a omissão oficial

José Cruz

O seminário sobre a lavagem de dinheiro no futebol, hoje encerrado no Ministério da Justiça, em Brasília, foi uma oportuna aula de atualização sobre como este esporte, de paixões e emoções, esconde o fortalecimento do crime muito bem organizado.

E, apesar das instituições oficiais disponíveis, o governo está distante do combate a essas ações, tornando o Brasil um dos paraísos dos agentes do crime financeiro internacional.

“Uma cifra negra domina o futebol mundial com elevados índices de criminalidade, num esquema que legaliza ativos'', disse Arthur Lemos Junior, promotor de Justiça em São Paulo, um dos especialistas no tema e palestrante do seminário.

“O mundo do futebol, subsidiado por verbas públicas, é um mercado fechado à fiscalização governamental. Um mundo autônomo, inacessível “, afirmou Ricardo Andrde Saadi, diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional.

Pior:

Não há clareza na fiscalização, a legislação é insuficiente para enfrentar a realidade, a justiça demora e contribui para tornar casos insolúveis. Assim, muitas transações de jogadores para o exterior são feitas na clandestinidade.

O Ministério do Esporte, por exemplo, que dispõe de um Conselho Nacional, também para propor ações de combate à lavagem de dinheiro no setor, se omite oficialmente, pois nunca discutiu este assunto. Vergonha!

Em 2007, mais de mil jogadores de futebol se transferiram para o exterior, segundo a CBF. Porém, apenas a metade das transações foi registrada no Banco Central. As suspeitas são de que boa parte desses negócios não se realizou, e os registros na CBF são disfarces que envolvem recursos da lavagem de dinheiro.

O mais famoso episódio no Brasil foi o envolvimento em 2007 da direção do Corinthians com a máfia da empresa MSI, liderada pelo russo Boris Berezovsky, com o iraniano Kia Joorabchian atuando como laranja.

A dupla operou livre e impunemente no Brasil, com transações de US$ 32,5 milhões. O processo esta sem solução da Justiça de primeiro grau.

Omisão
''O futebol é vulnerável aos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção, evasão de divisas e tráfico de jovens, principalmente de países e famílias pobres,'' disse Brigitta Maria Jacoba Slot, consultora do Banco Mundial no tema “lavagem de dinheiro”.

Brigitta foi a principal palestrante do seminário. Ela é autora do primeiro e único relatório mundial sobre o assunto, “A lavagem do dinheiro através do futebol”.

Para esse esquema internacional, contribuem corruptos donos de clubes, a vulnerabilidade dos países pobres que buscam no futebol uma forma de ganhar visibilidade, a exploração de jogadores e apostas em casas especializadas.

Os investidores interessados em lavar dinheiro, segundo Brigitta, se aproximam de clubes com má gestão e endividados. Com ofertas de boas somas, tornam-se parceiros para consolidar a fraude. A partir daí, com o apelo das emoções que o futebol oferece, os dirigentes ganham prestígio social até se aproximarem dos poderes constituídos.

No Brasil isso se verifica, por exemplo, com cartolas se elegendo deputados ou senadores. Uma vez no Legislativo, ganham imunidade e influenciam no rumo da legislação que interessa e fortalece esse mundo obscuro.

O seminário em Brasília foi uma iniciativa da Enccla (Estratégia Nacional de Combate à corrupção e à Lavagem de Dinheiro).

Realidade

As informações que autoridades de vários setores do governo trouxeram ao seminário, não são novidades. Em 2001, as CPIs do Futebol, no Senado, e da CBF Nike, na Câmara dos Deputados, identificaram a lavagem de dinheiro de vários clubes e federações, evasão de divisas, sonegações fiscais e tráfico de menores para o exterior. Não houve uma só punição.

Uma legislação foi proposta, que levou 10 anos para ser votada. É a “nova Lei Pelé”, recentemente aprovada no Congresso Nacional e sancionada pela presidente Dilma Rousseff. Porém, totalmente retalhada da proposta original, não tem um só artigo para combater o crime organizado da lavagem de dinheiro no esporte.

Banco Central, Polícia Federal, Ministério Público, Promotorias, Ministério da Justiça, Tribunal de Contas da União, enfim, são organismos capacitados para agir contra este mundo obscuro.

Porém, a ação de seus agentes enfrenta limitações diante do poder e do apelo “emotivo” do futebol, da legislação inadequada e insuficiente, e até das decisões judiciais em favor de réus.

Assim, como é que vai?