Blog do José Cruz

Eu vejo o futuro repetir o passado

José Cruz

Numa reunião histórica – pelo nível dos debatedores e importância dos temas abordados –, que reuniu algumas de nossas estrelas do olimpismo, a Comissão de Turismo e Esporte da Câmara dos Deputados expôs hoje os extremos do poder Legislativo: é a indispensável Casa para o debate das grandes questões brasileiras; mas está muito atrasada no encaminhamento das políticas para o esporte.

Sequência
As dificuldades enfrentadas por Aída dos Santos, quando foi a única mulher na delegação aos Jogos de Tóquio, 1964 (quarta colocada no salto em altura) continuam hoje, meio século depois, apesar das evoluções técnicas, independência feminina e expressivo volume de dinheiro aplicado no setor.
Passou o tempo, e os resultados das atletas olímpicas vieram e evoluíram, mais por insistência e persistência das mulheres do que por ações integradas de todos os agentes envolvidos, como família, clubes federações, governos etc.
Crescimento
A participação feminina em olimpíadas, por exemplo, revela a predominância de projetos para a categoria masculina.
''Dos 1.678 atletas que já representaram o Brasil em olimpíadas, apenas 390 foram mulheres'', disse a psicóloga e pesquisadora Katia Rubio, da Universidade de São Paulo.
''Porém, apesar desse distanciamento, a proporção das conquistas de medalhas – considerando o número de eventos que participaram – é favorável ao sexo feminino: 16% x 13%  dos homens.
Realidade
No contexto da formação e projeção de atletas, a representante do Ministério da Educação, Clélia Brandão, deu a dimensão da realidade da nossa precariedade em termos de políticas públicas para o setor:  apenas 56,7% das escolas brasileiras têm uma quadra esportiva. Pior: dessas, apenas 40,3% têm um professor de educação física à disposição dos alunos! Que tal?
Propostas
É neste panorama que Cássia Damiani, do Ministério do Esporte entrou no debate de hoje com propostas que demonstram como estamos perdidos, apesar de já sermos um país olímpico.
Na falta de uma política integrada de governo para ações pedagógicas-esportivas visando, prioritariamente, a formação cultural e do caráter dos jovens, e, em seguida, o alto rendimento, a pasta do ministro Aldo Rebelo anuncia que fortalecerá o futebol feminino, uma atividade ignorada pela CBF, porque não é rentável.
Sob o ponto de vista político, faz sentido, pois o futebol tem espetacular apelo. E, pelo abandono da mulheres futebolistas, a iniciativa ministerial pode se tornar numa oportuna peça de campanha eleitoral. Entenderam?
Bastidores
Primeira brasileira a conquistar medalha de ouro olímpico (1996), Jaqueline Pires, levou a discussão na reunião de hoje para os bastidores do esporte.
Campeã no vôlei de praia, ela questionou, na década de 1990, o pagamento de salários aos atletas da Seleção masculina, pela Confederação de Vôlei, o que não ocorria com as mulheres.
Sua ousada atitude lhe custou o abandono das autoridades, fechando-lhe as portas para qualquer atuação no Brasil, numa prática que se repete ainda hoje com quem fizer crítica ao sistema de gestão do nosso esporte olímpico.
O assunto é grave, um desrespeito aos princípios democráticos, pois tira da discussão – por ameaças e medo – o principal elemento da prática esportiva, o atleta. Sob este enfoque, o esporte não tem nada a ver com “educação”: é censura real e triste.
Preconceitos
A reunião se encaminhava para o final quando a professora Katia Rubio, autora de 15 livros na área da história e psicologia do esporte, trouxe à mesa temas ignorados nos debates: o preconceito racial e assédio sexual.
“Na entrevista com uma ex-atleta, ela me revelou que foi assediada pelo técnico durante quatro anos”, revelou Katia, dando a dimensão do problema.
Por tudo isso, aqui contado resumidamente, é que a reunião de hoje na Comissão de Turismo e Esporte tornou-se histórica. Porque levantaram questões graves, mas que não são discutidas por atletas, técnicos, dirigentes e muito menos pelos políticos. Ficou o ar a idéia de que com este ponto de partida “agora vai…” Será? duvido!
Repetição
Mas, mesmo em ritmo de Olimpíada 2016, patinamos na solução de problemas sérios e antiguíssimos, enquanto o Estado se omite de abrir a caixa preta do esporte para lhe dar o rumo efetivo que exige. Não de ''mais recursos financeiros, mais apoio'', mas de metas, prioridades e gestão. Na falta disso, inventa entrar numa área que não lhe compete, o futebol.
Este panorama me leva, mais uma vez, aos versos do poeta Cazuza, em uma de suas expressões maiores da nossa música, em “O tempo não para”:
Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades…”
Omissão
Deley, Romário, Danrley e Popó — todos ex-atletas — não participaram da reunião de hoje. Romário e Popó estiveram no local do encontro, mas com passagens efêmeras