Blog do José Cruz

Arquivo : Dinheiro do esporte

O esporte da fartura e da miséria, da elite e da base
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José Cruz

Nosso esporte é financeiramente tão rico, mas tão rico, que o governo brasileiro dará ao Comitê Olímpico Internacional e entidades agregadas isenções fiscais na ordem de R$ 3 bilhões, na preparação dos Jogos Rio 2016. Os promotores do megaevento, do show business que se transformou a Olimpíada terão um dinheiro equivalente aos R$ 3 bilhões do orçamento do Ministério do Esporte deste ano.  Que tal?   

Enquanto isso…

No domingo passado, o superintende de esportes do Comitê Olímpico do Brasil, Marcus Vinícius Freire (foto), reconheceu, ao projetar resultados de nossos atletas nos Jogos Rio 2016: “Não faltou dinheiro para a preparação da equipe. Faltou tempo”. Opa! isso é a prévia de uma desculpa do que pode vir por aí, diante dos resultados de alguns Mundiais?  Marcus-Vinicius-Freire2_COB

Carmem de Oliveira, a primeira brasileira a ganhar a Corrida de São Silvestre, provoca, pela rede: “O dinheiro da Lei Piva chega à base do esporte”? Porque, como se sabe, um dos graves problemas de nossas equipes, em geral, é a renovação. E volta o tema ao debate: quem cuida da base?

Não é só o dinheiro da Lei Piva, Carmem. Mas, como é a gestão de todas as fontes de financiamento do esporte: orçamento anual, Lei de Incentivo, patrocínios das estatais, Forças Armadas, Confederação Brasileira de Clubes? Quem tem o controle dessas destinações? Temos um projeto que identifique necessidades e prioridades por confederação?

Fartura & Miséria

Levantamento do TCU identificou que entre 2010 e 2014 o alto rendimento nacional teve R$ 7 bilhões à disposição. Aí está a questão! Quanto desse dinheiro foi para a base, para a iniciação? A matemática é difícil, e até o governo bate cabeça neste sentido.

É por isso que tantos atletas, ainda sem resultado para conquistar uma Bolsa, reclamam da “falta de apoio”, como em 2001…

O que se sabe, com certeza, é que há fartura financeira no andar de cima, com destinações suspeitíssimas, inclusive, enquanto a miséria persiste no andar de baixo do esporte nacional.

Mas somos um país olímpico…

 

Foto: www.esportesolimpicos.ig.com.br


“O atleta ficou capitalista”
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José Cruz

“O atleta ficou capitalista. Tem atleta de 22 anos ganhando até 30 mil reais por mês”.

Diogo Silva, do taekwondo, no programa Segredos do Esporte, na ESPN

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Campeão pan-americano em 2007 e mundial universitário em 2009, Diogo reforça o que publiquei sobre a Bolsa Atleta: várias fontes públicas de financiamento beneficiam os mesmos atletas, já muito bem remunerados pela iniciativa privada. E  “muito bem remunerados” quer dizer na casa dos R$ 80 mil mensais…  Para essa elite, ainda pequena, somem-se as premiações, cada vez mais valorizadas, nos eventos internacionais, porque o esporte tornou-se isso: negócio.

Prazo

Diante dessa realidade, cabe questionar: a verba pública não deveria ter outras prioridades, quando a iniciativa privada já supre, e muito bem, quem tem nome associado a marcas famosas e, por isso, ótima visibilidade na mídia?

Com certeza, o atleta tem “prazo de validade” para competir, e precisa de bom planejamento para garantir seu futuro. No caso, aproveita-se da decisão unilateral do governo, que fez a opção de financiar o alto rendimento, desde 2003, em detrimento da iniciação, onde muitos candidatos a atleta ficam pelo caminho, desmotivados pela falta de “apoio”, que sobra no andar de cima.

Para não desistirem da carreira, alguns vendem o carro. Outros fazem rifa e, assim, a fartura e a miséria convivem no mesmo esporte, na mesma raia, na mesma quadra, no mesmo governo financiador. A desigualdade é tão real quanto a omissão do Ministério do Esporte, que não dá equilíbrio a essa equação que insiste privilegiar quem tem mais.

Prazo e meta

O problema é que esse “financiamento público” também tem prazo limitado. A meta é Rio 2016, o foco é o pódio olímpico, a meta são as medalhas para se chegar ao “top 10”. E depois? Continuará a fartura como os R$ 6 bilhões investidos no penúltimo ciclo olímpico, por exemplo? R$ 4 bilhões no atual, até agora! qual o rumo no pós-Jogos? Mas, há dúvidas até se o Ministério do Esporte sobreviverá!

E, sejamos sinceros, a ausência dessa pasta não faria qualquer falta diante de sua inoperância, já que se tornou um mero repassador de verbas e reduto de apadrinhados políticos e fieis religiosos.


TCU reprova liderança do Ministério do Esporte. Falta até transparência!
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José Cruz

Doze anos depois de ter sido criado, o Ministério do Esporte foi reprovado como gestor público, conforme “relatório de levantamento de auditoria” do TCU – Tribunal de Contas da União, com relatoria do ministro Augusto Nardes

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As constatações dessa corte de fiscalização confirmam todas as denúncias publicadas neste blog nos últimos seis anos

  R E L A T O   D O S   A U D I T O R E S  

“A liderança exercida pelo Ministério do Esporte na política de esporte de rendimento é limitada. O Ministério mostrou-se, em nível de organização, aquém do que seria desejável, dado o seu papel de protagonismo no desporto brasileiro. O órgão conta estrutura deficiente frente a todas as suas atribuições e, dessa forma, não apresenta capacidade operacional de atuar de forma satisfatória como coordenador das ações do sistema esportivo e como responsável pelo controle de grande parte dos recursos públicos aplicados no esporte de rendimento”.

“Foi observado, no caso dos recursos públicos destinados ao esporte de rendimento, o risco de desvio, em razão da fragilidade dos controles sobre a aplicação desses recursos”

“O Ministério do Esporte demonstrou não ter capacidade operacional para o controle dos recursos por ele próprio repassados”

 “Na consulta realizada, verificou-se, de modo geral, um baixo nível de transparência das informações relativas à gestão das entidades do Sistema Nacional do Desporto”

“O contexto atual evidencia que o Estado tornou-se o grande financiador do esporte de rendimento, enquanto o desporto educacional não vem recebendo o mesmo investimento”

“Risco de que os resultados do Brasil nos Jogos Olímpicos de 2016, inclusive a meta de posicionar-se entre os dez primeiros países classificados, se alcançada, não sejam sustentáveis para o período pós-2016”

Sobre a estrutura do Ministério do Esporte, os auditores identificaram 404 servidores ali lotados, sendo apenas 86 efetivos (21,3%), 234 comissionados (57,9%) e 103 de outras categorias (20,8%).

Pior!

Há unidades no Ministério “que não contam com nenhum servidor efetivo, o que pode resultar em fragilidade na gestão”, alertaram os auditores do Tribunal.

Os responsáveis pelo caos

Em doze anos, o Ministério do Esporte teve quatro ministros: Agnelo Queiroz, de fraca atuação, Orlando Silva, demitido por Dilma Rousseff, em meio a denúncias de corrupção, confirmadas, Aldo Rebelo, que cuidou da preparação do país à Copa do Mundo, e o atual, George Hilton, que “entende de gente”.

O dinheiro do esporte

Entre 2010 e 2014 os esportes olímpico e paraolímpico nacionais foram sustentados por R$ 7,7 bilhões, sendo que 94% desses recursos são verbas públicas federais. O COB (Comitê Olímpico do Brasil) e as confederações ficaram com 73% desse total, enquanto aos paraolímpicos e suas confederações foram destinados 18%. Outros 9% ficaram com a CBC (Confederação Brasileira de Clubes). Esses dados são do relatório de auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União), que analisou o funcionamento dos componentes do Sistema Nacional do Desporto.

Dependência oficial

O rigoroso levantamento identificou “o alto grau de dependência dos recursos da Lei Agnelo Piva para gastos de custeio na quase totalidade das entidades: Comitês Olímpico e Paraolímpico, confederações e Confederação Brasileira de Clubes. Das 26 confederações consultadas, 15 são totalmente dependentes do dinheiro oficial.

A CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo), modalidade com inexpressivo desempenho em eventos internacionais é, ironicamente, a que registra melhor receita no período 2010/2016 (o trabalho projetou a receita até o ano olímpico). Segundo o TCU, foram R$ 224,5 milhões, para 36.571 atletas federados.

A modalidade com o segundo maior número de atletas, o judô, 45.899 registros, é a terceira no ranking de receitas (217,7 milhões), atrás dos Desportos Aquáticos, que faturou R$ 223,4 milhões para 11.869 atletas federados.

Estranho!

Já a Confederação de Basquete, mergulhada em prolongada crise de falência, fosse ela uma empresa privada, é a quarta entidade em receita, com R$ 206,3 milhões, no período analisado. O basquete é a segunda modalidade em atletas federados, com 50.385, Perde apenas para o vôlei, com 115.229 atletas registrados. Porém, o premiadíssimo esporte das quadras e da praia, aparece numa modesta 15º posição em receita total, com apenas R$ 27,5 milhões, em cinco anos.

Esse dado sobre a Confederação de Vôlei será confirmado, pois trata-se da principal modalidade no país, depois do futebol, com expressivo faturamento na venda de imagens de valorizados torneios. É difícil entender que, na receita, esteja atrás do rugby, ginástica, ciclismo, lutas associadas, remo e desporto na neve.

Fragilidade

A fragilidade do sistema no país olímpico também foi revelada pelos auditores. A Confederação de Desporto Escolar, por exemplo, “encontra-se em estágio primário de organização, o que justifica a baixíssima organização das atividades esportivas no âmbito das escolas brasileiras”.

A análise do relatório do TCU continuará na próxima mensagem

O acórdão completo do TCU está aqui 


Apesar da fartura financeira, ministro quer “fundo” para o esporte
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José Cruz

Sem saber onde está metido, o ministro George Hilton fala na criação de nova fonte para o esporte, um “fundo”. O interessante é que a ideia surgiu em menos de um mês à frente de uma pasta cujo assunto ele não entende, como já revelou. Mas, além de “gente”, parece que o ministro também entende de dinheiro.

 

O dinheiro do tal “fundo” virá do Orçamento da União, recursos privados, oriundos de incentivos fiscais, verbas de loterias etc”.  dinheirrrooo

Em primeiro lugar, o orçamento da União é peça fictícia. O deste ano nem foi aprovado. O do Ministério do Esporte é um mistério. O do ano passado teve apenas 44,8% de execução. Isto é, não gastaram nem 50% dos R$ 3,1 bilhões aprovados, aí incluída a verba dos parlamentares, as “emendas”…

Realidade

Desde 2003 o dinheiro deixou de ser problema para o alto rendimento. De tal forma que os dirigentes olímpicos e paraolímpicos recebem salários, pagos com verbas públicas, atualizados periodicamente!

A S    F O N T E S

Lei Piva – é dinheiro sagrado e crescente. Incremento em torno de 20% ao ano, devido ao aumento nas apostas. Foram R$ 200 milhões só em 2014.

Lei de Incentivo – São R$ 400 milhões anuais disponíveis. Mas faltam bons projetos e há pouca participação do mercado. Dos R$ 3 bilhões em projetos aprovados entre 2007 e 2014 houve captação de apenas R$ 1,1 bilhão. A maior parte dessa grana foi para o futebol profissional. Em sete anos tivemos um desperdício de R$ 2 bilhões.

Estatais – Banco do Brasil, Caixa, Petrobras, Infraero e Correios são as principais. Estimam-se aplicações de R$ 300 milhões anuais. Lembrando que a Caixa patrocina 14 clubes de futebol, com investimentos de R$ 111 milhões, em 2013.

Orçamento e Convênios – São verbas para projetos específicos das confederações e construções de CTs, principalmente nesse ciclo olímpico rumo a 2016. No Orçamento 2014, o projeto “Esporte e Grandes Eventos Esportivos” tinha R$ 2 bilhões disponíveis. Aplicou em torno de 30%, R$650 milhões.

Bolsa Atleta – Foram R$ 183 milhões em 2014, para sete mil contemplados. É projeto expressivo, mas sem fiscalização, sujeito a falcatruas e pagamentos indevidos, como o TCU já constatou.

Forças Armadas – São 700 atletas que integram os quadros das Forças Armadas. Os valores aplicados não estão disponíveis, mas a maioria recebe Bolsa Atleta e patrocínio de estatais.

Confederação Brasileira de Clubes – é beneficiada com 0,5% dos 4,5% que o Ministério do Esporte recebe das Loterias Federais, para projetos de iniciação. Não tenho os valores atualizados, mas o tema merecerá artigo específico.

Enquanto isso…

O ministro fala na criação de um “fundo”. Com o devido respeito, isso é debochar dos que estão na parte de baixo dessa fartura, como as federações, falidas, mas indispensáveis para manter os cartolas da parte de cima, com ótima saúde financeira.

Repeteco

Nenhum dos três ministros que passou pelo Esporte fez um balanço de nossa realidade e propôs rumos de longo prazo para o desporto escolar, para a iniciação, para o alto rendimento. Principalmente porque há dúvidas de que essa grandiosidade financeira continuará depois de 2016. Agora, o ministro George Hilton vai no mesmo rumo: o negócio é dinheiro!

Nesse entrevero da já superada estrutura do nosso esporte e falta de planejamento desperdício de talentos e de dinheiro é real. Estamos com o foco em 2016 e só!

Esse quadro favorece a corrupção, como constatou o Tribunal de Contas da União em auditorias na Lei de Incentivo ao Esporte e na Bolsa Atleta e no próprio Ministério.

Estranho, muito estranho, mas vou continuar neste assunto, porque tenho lá minhas suspeitas. Já vimos este filme…


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