Joaquim Cruz questiona sobre o real legado dos megaeventos
José Cruz
Por Joaquim Cruz
Ouro nas Olimpíadas de Los Angeles, 1984; prata em Seul, 1988, nos 800m
Dizem que quando vivemos num ambiente ruim por muito tempo ficamos míopes e perdemos o sentido das coisas corretas. Será que nos adaptamos ao Brasil “pequeno” e de dificuldades que os políticos criaram para nós?
O setor de saúde não é bom, desde quando eu brincava nas ruas de Taguatinga, em Brasília. Em 1981 perdi o meu pai por falta de atendimento no pronto socorro da cidade. No ano passado, o meu irmão mais velho faleceu. Ele também não recebeu atendimento adequado em um hospital, carente de profissionais e equipamentos necessários para tentar salvar vidas. Hoje, doentes morrem na porta de prontos-socorros e isso parece não nos assustar mais, pois se tornou rotina.
Eu não lembro se a educação na minha época de estudante era boa ou ruim. Mas, pelo menos, tínhamos o esporte no segundo período para incentivar a juventude e isso fazia a diferença. Hoje, nossos adolescentes crescem da noite para o dia, e a juventude torna-se adulta fora de época. Crianças viram mães muito cedo, assumem responsabilidades de formar famílias e se afastam dos estudos. As dificuldades se multiplicam, chegam os conflitos e a família se desfaz. Com certeza a educação e o esporte poderiam ter feito a grande diferença nas vidas de tantas garotas que assumem compromissos maternos precocemente.
O esporte na escola, que por muito tempo abrigou os saudosos Jogos Escolares, piorou nas últimas décadas. O Ministério do Esporte tentou amenizar a falta de atividade física nas escolas com o programa Segundo Tempo, mas sem a participação do Ministério da Educação. O fracasso foi inevitável.
Benefícios
Estou cansado de ouvir os nossos políticos falarem sobre “os benefícios do esporte…”, “o legado do esporte” na forma de futuro próximo. “O Pan deixará legados…”; “A Copa do Mundo deixará um legado…”; “O principal legado dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016 será…” e por aí segue.
Mas, esta semana, o nosso ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que a Copa do Mundo foi responsável pela queda da produção industrial, em julho. O brasileiro trabalhou menos. Devido a isso, o governo arrecadou menos impostos. Para a economia o legado foi esse, menos dinheiro nos cofres públicos. E imagino que escolas e hospitais já sofrem o reflexo disso. Mas fizemos a “Copa das Copas…”
A cultura do futebol é muito forte para contestá-lo, mas só quando a economia nos afeta é que caímos na real e observamos que o tal “legado” não é tão grande quanto nos venderam. Qual foi o grande projeto de esporte do governo do município do Rio ou do Estado do Rio de Janeiro para estudantes e população após os Jogos Pan e Parapamamericanos? Agora, tentam nos vender o “legado olímpico e paralímpico”, sem que tivéssemos sentido o efeito da primeira promessa, há sete anos!
No meu entender, o legado dos Jogos de 2016 começou bem antes de 2 de outubro de 2009, quando o Rio ganhou o direito de sediar a Olimpíada e Paralimpíada. Porém, já se passaram cinco anos e estamos debatendo sobre os legados pós Jogos, sem termos nos beneficiado dos benefícios que deveríamos ter tido, como os do Pan e Parapan.
Legado não deveria ser somente o resultado final de um evento ou ação, mas todo o processo coletivo de mudanças, com a inclusão da escola e da universidade brasileiras nesse processo. Planejamento, definição de prioridades, fixação de metas também são legados bem antes dos Jogos, durante e depois. Mas ainda estamos debatendo sobre as mudanças no esporte nacional que deveriam ter acontecidos há cinco anos. Se não existe o legado do “antes e durante” não devemos nos iludir com um que sonhamos após a Copa do Mundo, Olimpíada ou Paralimpíada.
Potência Brasil
Já tivemos os Jogos Pan e Parapan Americanos, em 2007, a Copa das Confederações, os Jogos Mundiais Militares, a Copa do Mundo… E agora, nessa pausa de megacompetições, nossos candidatos à eleição de outubro não tocam nesses assuntos, “educação, esporte, saúde”. Será que o eleitor não quer discutir também sobre isso? Será que, desiludidos das promessas, já se adaptou a um Brasil “menor”, de pouca qualidade de vida para muitos e de desesperança para tantos, a juventude, principalmente?
Se é assim, lamento muito, pois o mundo vê o meu Brasil como uma grande potência! E é, com certeza. Mas quem dará rumos a essa potência sem garantir prioridade à educação integral dos jovens? Façam isso, senhores políticos, e o legado virá ao natural.
Nota do blogueiro: Joaquim Cruz mantém em Brasília um Instituto que leva o seu nome, dirigido por Ricardo Vidal, promovendo projetos de atletismo como o do Clube dos DescalS.O.S e o programa Rumo ao Pódio Olímpico.