Legado olímpico de 2016: a visão de um especialista
José Cruz
“O Brasil atingirá um legado para o alto rendimento: terá novos locais de treinamentos, novos programas de treinamentos. Mas tem, também, de criar programas para os mais novos, não ficar apenas no topo” (Jay Coakley)
Por Adriana Brum
Jornalista
“Não digo que as obras não estarão prontas até os Jogos, mas vocês irão pagar o dobro por elas”, afirmou o autor do livro Sport in Society: issues and controversies'', (“Esporte na Sociedade: questões e controvérsias”), Jay Coakley, ao comentar o atraso e indefinições de contratos nas obras do Rio 2016.
O professor emérito da Universidade do Colorado, em Colorado Springs (EUA), esteve no Brasil há uma semana para ministrar uma disciplina sobre Esporte, Lazer e Sociedade, no programa de pós-graduação em Educação Física da UFPR, em Curitiba. No encerramento do curso, fez questão de falar sobre os preparativos brasileiros para a Olimpíada, em agosto do ano que vem.
Coakley não especula quando fala como quem vê de fora o desenrolar da organização verde e amarela para os Jogos: o norte-americano é um dos principais estudiosos da sociologia do esporte mundial na atualidade; seu livro é referência na área e escreve com especialistas do mundo todo. Inclusive brasileiros.
Em sua passagem pelo Brasil, Coakley visitou as obras para as instalações olímpicas no Rio e não escondeu a preocupação com a falta de projetos para efetivar o “legado”, palavra que mais acompanha o termo Rio 2016 desde que o Comitê Olímpico Internacional (COI) anunciou o Rio de Janeiro como sede dos próximos Jogos.
Sentimento temporário
“Os olhos do mundo estarão no Brasil e isso faz o Brasil se sentir bem. É um bom sentimento, mas é temporário. Um sentimento que existe durante os Jogos, dura uma semana, quando as pessoas começam a entender que terão de pagar por até as duas próximas gerações por tudo. Como está desenhado o projeto para o uso dos locais de prova após os Jogos? Que tipo de projetos terá em cada lugar, como será o acesso das pessoas, como isso será sustentado? Se você não sabe essas coisas agora, elas não vão acontecer”, apontou.
Em termos esportivos, Coakley afirmou, o Brasil terá sim, uma melhora no que no alto rendimento, muito por conta da meta de ampliar o número de pódios como país anfitrião. Mas é pouco: os investimentos e projetos deveriam se estender à base.
“O Brasil atingirá um legado para o alto rendimento: terá novos locais de treinamento, novos programas de treinamento. Mas tem também de criar programas para os mais novos, não ficar apenas no topo. Para quem se inspirar, haverá programas prontos para receber esse novos praticantes? Se você que tirar vantagem da inspiração vinda dos Jogos, tem de ter a infra-estrutura pronta”.
Mesmo para a infra-estrutura, que transformaram a cidade do Rio de Janeiro em um grande canteiro de obras a um valor ainda não completamente definido, os benefícios não são para todos, destacou:
“Haverá mudanças na cidade, melhoras no metrô, no aeroporto. Toda essa infra-estrutura é útil para uma classe social. Mas vai beneficiar as pessoas locais? Os vendedores locais próximos as áreas dos jogos terão de fechar seus negócios durante os Jogos”, exemplifica. Coakley lembra que, historicamente, o discurso de bem-estar da população com a vinda de um megaevento esportivo é usado para ganhar a aprovação e justificar o uso de verba pública.
E lembrou o histórico de outras cidades-sede, como Sarajevo (Jogos de Inverno de 1984) e Atenas (Jogos de Verão de 2004), cujos locais de prova foram abandonados após os eventos e países que levaram décadas para pagar as contas feitas para sediar os megaeventos.
“Desde 1988 (Jogos de Seul), as cidades-sede foram para a morte após os megaeventos; orçamentos gastos acima do planejado; as pessoas envolvidas foram sugadas em emoção e energia. Os legados relacionados ao bem comum são esquecidos ou postergados”, alertou Coakley.