A dor de um craque e a real tragédia brasileira
José Cruz
Os principais jornais destacam o que já se sabia ontem à noite: “Neymar está fora da Copa”. Mas há muito pouco de repercussão sobre a queda de um viaduto em Belo Horizonte, com morte de duas pessoas, na quinta-feira, e as relações da construtora Cowan com políticos e suas doações para campanhas eleitorais. Ou sobre a morte de dezenas, vítimas de enchentes no Sul do país.
A força do futebol é estupenda e coloca a corrupção e outras tragédias no chinelo.
O Correio Braziliense tenta sensibilizar o leitor-torcedor: “A dor que calou nossa alegria”, diz a manchete, com Neymar ao fundo se contorcendo de dor.
Impressiona a solidariedade do Jornal de Brasília: “Neymar, sua dor é nossa”!
Folha de S.Paulo, Estadão e o Globo deram pequeno espaço, na parte inferior da capa, à legitima tragédia nesta Copa, o desabamento de uma passarela em construção, em Belo Horizonte, com morte de duas pessoas e vários feridos.
Reparem que um “legado da Copa” desaba, mata e entra no esquecimento. Já a dor de um craque, agredido covardemente pelas costas, mas que em um mês voltará a correr pelos campos de futebol, “nos une em comoção nacional”, como escrevia Nelson Rodrigues. Esse sim, que falta nos faz!
Tragédias
Essa tragédia de Belo Horizonte esconde outras gravíssimas, que agridem o contribuinte. A direção da Cowan, construtora da passarela, tem íntimas relações com políticos, inclusive o vice-presidente Michel Temer, que já usou o jatinho dessa empresa para suas viagens Brasil afora.
E construtoras, que executam obras superfaturadas, como afirma o Tribunal de Contas da União, são as principais financiadoras de campanhas políticas. Segundo reportagem da Associação Contas Abertas, a Cowan, por exemplo, destinou R$ 2,8 milhões para a campanha eleitoral de 2012. Desse total, R$ 1,8 milhão foi para o PMDB, R$ 500 mil para o PCdoB e R$ 500 mil para o PSDB.
Nessa mesma campanha de 2012, quem mais destinou grana para os políticos foi a Andrade Gutierrez, R$ 81,2 milhões, seguida da Queiroz Galvão, R$ 52,1 milhões e OAS, R$ 44,1 milhões.
Paralelamente, auditorias do TCU em obras públicas identificam centenas de superfaturamento nessas obras, Brasil afora. Não é difícil relacionar os motivos. E facilita entender a íntima relação de empreiteiros e políticos e o porquê de o estádio de Brasília ter custado espetacular R$ 1,8 bilhão, numa cidade sem clubes nas três principais divisões do futebol brasileiro!
Porém, esse tipo de noticiário passa ao largo do debate do torcedor-eleitor. Mas, pela agressão natural de quem disputa uma valorizada Copa das Copas, ficamos sem o craque e isso poderá representar, contra Alemanha, uma “catastrófica tragédia nacional” – novamente apelando à memória Rodrigueana.