O suspeito sucesso da Copa sem planejamento
José Cruz
A revista Carta Capital publicou artigo criticando a “manipulação da mídia”, que fez previsão pessimista para a Copa do Mundo e o atual ''sucesso'' do evento.
Ignorar a confraternização dos torcedores e a alegria nos jogos – e suas surpresas – seria “burrice”, como diria Felipão. Mas a festa está mais para a “grã-fina”, personagem de Nelson Rodrigues, que nem sabia quem era a bola. E é aí que a imprensa concentra seus repórteres, na emoção do futebol, enquanto o outro Brasil continua sua rotina de mazelas, entre elas a corrupção e a exploração sexual infantil, duplicada em Fortaleza. E o que dizer dos 300 quilômetros de engarrafamento em São Paulo, com torcedor no trânsito por até três horas, em pleno jogo Brasil e México? E os R$ 4 bilhões cortados dos investimentos em mobilidade urbana?
Mais: para a festa de sucesso, onde assalariado e torcedor de arquibancada não entram, 150 mil pessoas foram removidas para dar lugar a obras nos arredores de estádios.
Modelo suspeito
O “pessimismo” alardeado por Carta Capital foi publicado em todo o Brasil e no exterior, a partir de auditorias do Tribunal de Contas da União, que um ano antes da Copa ainda “cobrava planejamento” do Ministério do Esporte, entre eles para as telecomunicações. E alertava para o risco de projetos superfaturados como ocorrera no Pan 2007. De outra parte, qual o grande projeto para “vender” o turismo brasileiro aos visitantes e fortalecer a imagem do país no exterior?
Portanto, o ''sucesso” na competição revela mais uma surpresa: além da eliminação da campeã Espanha e da surpreendente vitória de Costa Rica sobre a Itália, o Brasil apresenta ao mundo a sua Copa sem planejamento e de transparência suspeita.
Ironicamente, um dos legados da Copa é esse: o governo deu uma banana ao planejamento. Já vimos isso no Pan 2007. Depois, vêm o abandono, as demolições das instalações esportivas e o desprezo aos usuários de áreas públicas para o esporte. E diante da impunidade crônica a festa fica mais turbinada por verbas públicas.
Em Brasília, uma semana antes da abertura da Copa, os “responsáveis” pela obra do estádio Mané Garrincha – de espetaculares R$ 1,7 bilhão – fizeram às pressas um “puxadinho” de água de um reservatório próximo, para evitar vexame em dia de casa cheia. Algo como “faz pela metade” que uma nova contratação completa o serviço. A “Casa da Mãe Joana”, como escreveu Gil Castello Branco, da Associação Contas Abertas, serve para isso. Escreveu mais, e com dados oficiais: “O custo dos estádios equivale a dois anos de investimentos federais em Saúde ou à instalação de 2.263 escolas.”
A propósito, em sete arenas, os governos estaduais assumiram dívidas de R$ 2,3 bilhões junto ao BNDES. Divulgar sobre essa realidade foi falta de profissionalismo ou manipulação da imprensa como afirma Carta Capital que, inclusive, fez reportagens críticas a respeito?
Enquanto isso…
A Fifa nunca esteve tão rica, e nesta Copa terá renda de R$ 9 bilhões. E quando os “donos da bola” retornarem à Suíça, internamente voltaremos às nossas mazelas, como a estagnação da economia e a péssima qualidade dos serviços públicos, falta de saneamento, estádios vazios no Brasileirão, transportes sucateados, negociação da dívida fiscal de R$ 4 bilhões dos clubes de futebol, atrasos nas obras para os Jogos Rio 2016, hospitais lotados, falta de livros nas escolas, apesar de o primeiro semestre já ter terminado. E tudo isso será motivo de discursos para as eleições, já de suspeitas coligações partidárias.
Será, então, a hora de a imprensa sair do campo de jogo e se voltar para o balanço da festa. O resultado estará nos relatórios do Tribunal de Contas da União. Pra quê?