A Copa das angústias e o complexo de vira-lata
José Cruz
Contrastando com a festa popular nos cinco mundiais de futebol conquistados, agora o torcedor vai às ruas dividido, aplausos e vaias. E, ironicamente, na campanha do hexa, em casa! Hoje, comitês contrários ao evento fazem manifestações em todo o país. Que sejam pacíficas!
Em 30 de outubro de 2007, Joseph Blatter entregou ao Brasil a “responsabilidade” de realizar a Copa? Visionário?
“O Comitê Executivo decidiu, por unanimidade, dar a responsabilidade, não apenas o direito, mas a responsabilidade de organizar a Copa de 2014 ao Brasil”.
A manifestação foi bem diferente das anteriores. Em maio de 2004: “A Copa do Mundo de 2010 será organizada na África do Sul”. E, em julho de 2000: “O vencedor é a Alemanha”. Mas, para anunciar o Brasil, o presidente da Fifa enfatizou: “responsabilidade”.
Temos isso? Nossas cidades estão coloridas como das vezes anteriores, a revelar a paixão pelo futebol e confiança no time de Felipão?
Lamentavelmente, o ambiente é outro, porque ao assumir a “responsabilidade” o governo foi frágil no planejamento e escancarou as diferenças entre os padrões de qualidade exigidos e os que não temos. O governo tratou, prioritariamente, de cuidar dos dividendos políticos que a Copa poderia oferecer.
Agora, a menos de um mês do evento, nem o estádio do jogo de abertura, o Itaquerão, está concluído. Na desenvolvida Curitiba, a arena do Atlético-PR também é obra inacabada. E, no balanço geral do Sindicado das Empresas de Engenharia e Arquitetura, de 167 intervenções anunciadas em 2007, apenas 41% ou 68 projetos estão prontos; 88 (53%) incompletos ou ficarão para depois da Copa. Onze obras foram abandonadas.
Pior:
Hoje, o companheiro Rodrigo Mattos revela em seu blog, no UOL Esporte, que Philippe Blatter, sobrinho do presidente da Fifa e dono da empresa que comercializa os ingressos da Copa, foi beneficiado com isenção fiscal de impostos no Brasil. A garantia está na Lei Geral da Copa. A estimativa é que, no geral, o governo deixe de arrecadar R$ 600 milhões em isenções. Por mais que o Brasil compense com outros ganhos a isenção fiscal, o que afronta é a agressão, pois o governo curvou-se obedientemente – e sabia que seria assim – às exigências da Fifa.
E, aos críticos dessa realidade, o ministro do Esporte diz que se trata de “complexo de vira-latas”, imortal citação de Nelson Rodrigues. O Senhor já foi bem mais crítico dessa voracidade financeira do futebol, que explora a estrutura de governo por lucros fáceis, corruptos e suspeitos. Estranha mudança, Ministro, muito estranha!
A expressão de Nelson Rodrigues referia-se à inferioridade que o brasileiro se coloca diante do mundo, como se fôssemos incapazes de realizar o que se vê em outros países.
Agora, ao contrário do que afirma Aldo Rebelo, estamos diante de uma realidade, do fato concreto que é o fracasso do “planejamento” do governo, que não cumpriu nem 50% do previsto. Não é inferioridade, Ministro, mas a constatação de que fracassamos, também na oportunidade de tirar dividendos do megaevento, algo que nos orgulhasse e não apenas subjugasse. E não é complexo, mas tristeza pela incapacidade dos gestores que assumiram a tal “responsabilidade”.