Vôlei de praia: BB pagou sete etapas que não foram realizadas
José Cruz
Há 19 anos, Confederação de Vôlei já pagava 40% de comissão à agência que negociava patrocínio com o Banco do Brasil
Em decisão de plenário de 3 de dezembro de 1997, o Tribunal de Contas da União poupou de constrangimento público os ex-presidentes da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), Carlos Arthur Nuzman e Ary Graça.
Naquele ano, quando Ary já havia substituído Nuzman na presidência da Confederação, mesmo recebendo do patrocinador (Banco do Brasil), valores idênticos aos de 1995 e 1996, a CBV realizou sete etapas a menos no Circuito de Vôlei de Praia: apenas dez, mas o banco pagou os mesmos R$ 3,5 milhões dos anos anteriores.
Na ponta do lápis, sobrou grana, em torno de R$ 1,4 milhão, que não foi devolvida. O ministro do TCU e relator do processo, Adhemar Paladini Ghisi, tinha afinidades com o COB. O genro de Ghisi, Bernard Rajzman, o campeão de vôlei que criou “jornada nas estrelas” é, ainda hoje, um dos braços fortes de Carlos Nuzman no Comitê Olímpico.
Processo
A história está no Processo 925/97-7, do TCU, “sigiloso” até a votação, instaurado a pedido do deputado Augusto Carvalho, que desconfiou de irregularidades na parceria BB/CBV.
Por exemplo: era taxa de mercado os 40% pagos pela CBV à Sport Media Empreendimentos Esportivos Ltda, para intermediar o contrato? Como se observa, o pagamento de “comissões” na CBV nessa relação como Banco do Brasil é antiga e onerosa aos cofres públicos, claro.
Os auditores que trabalharam no processo até que questionaram sobre o uso do dinheiro público, diante da inexistência de fiscalização, conforme o processo ao qual tive acesso,:
“Como garantir o uso apropriado dos recursos com a ausência de instrumentos efetivos de controle e acompanhamento?” – indagaram. “Indispensável, portanto, que o Banco exija um relatório que comprove de forma minuciosa o uso adequado dos recursos”.
Etapas
O contrato de patrocínio assinado em 1994, entre a CBV e o Banco do Brasil, quando Nuzman presidia a Confederação – ele saiu em 1995 – previa para aquela temporada a realização de 19 etapas no circuito vôlei de praia masculino e 14 no feminino. Para tanto, o BB pagou R$ 3,5 milhões. As etapas para as temporadas seguintes – 1995 e 1996 – seriam definidas em termos aditivos ao contrato, mas isso nunca aconteceu. E em 1997 a CBV decidiu reduzir para apenas 10 etapas no masculino e 10 no feminino, mesmo recebendo outros R$ 3,5 milhões anuais.
Prejuízo
“É preciso que se diga, com ênfase, que houve uma alteração no objeto do contrato, em evidente prejuízo ao Banco do Brasil, que acabou pagando mais e aparecendo menos. É certo, ainda, que o número de etapas tem relação direta com o retorno obtido pelo Banco do Brasil , em espaço de mídia e de negócio. Assim , quanto menor for o número de etapas, menor será o retorno ao Banco do Brasil” — disseram s auditores.
Relatoria
O relator do processo sobre essa parceria da CBV com o BB era o ministro Fernando Gonçalves, que acatou as denúncias do deputado Augusto Carvalho, deu crédito ao trabalho dos auditores e propôs ouvir explicações dos envolvidos. Mas o ministro adoeceu nas vésperas de apresentar seu relato, sendo substituído por Lincoln Magalhães da Rocha, que também por motivo de saúde se afastou do processo.
Em sorteio, a relatoria do processo foi parar nas mãos de Adhemar Paladino Ghizi. Baita coincidência!
E o que disse o ministro Ghizi é inacreditável:
“... o cerne das questões suscitadas pelo deputado Augusto Carvalho escapa à competência desta Corte (TCU), uma vez que não nos cabe fiscalizar o funcionamento da Confederação Brasileira de Vôlei….
Ora, mas a auditoria foi sobre os repasses do Banco do Brasil e sua omissão em fazer cumprir as cláusulas contratuais.
Disse mais o senhor Ghizi
“Na verdade, sendo tais verbas recebidas pela CBV a título de pagamento de contrato, não tem este Tribunal qualquer poder fiscalizatório em relação à utilização futura das verbas”.
E, ao negar audiência com os envolvidos, a fim de esclarecer sobre a drástica redução de sete etapas no Circuito de Vôlei de Praia, assim se manifestou Ghisi, de forma simplista:
“Na verdade, o que ocorreu foi a ausência de previsão contratual para o número de etapas a serem disputadas nos anos de 1995 e 1996, o que possibilitou sua redução.” E encerrou o processo, que foi aprovado. Nem o Banco, ninguém, ficou sabendo onde foram parar R$ 1,4 milhões das sete etapas não realizadas (média de R$ 200 mil por etapa).
Mas o ministro Ghizi colocaria Carlos Nuzman, amigão de Bernard, ou Ary Graça, amigão de Nuzman e que adora Bernard, em situação constrangedora?
Passa o tempo e, 18 anos depois daquele episódio, Bernard Rajzman foi contemplado, em 2013, como representante do Brasil junto ao Comitê Olímpico Internacional.
Como reza a tradição, “o movimento olímpico é uma grande família”, mas quem paga a conta…
Com esta revelação do TCU insisto na tese de que as investigações sobre as denúncias de irregularidades na Confederação de Vôlei não podem ficar na gestão de Ary Graça. É preciso retroceder aos tempos de Carlos Nuzman e assessores, para que não fiquem dúvidas sobre a atuação de ninguém no trato com verbas públicas.