Vitorioso vôlei enfrenta crise institucional
José Cruz
O vôlei de quadra e o de praia, as duas mais vitoriosas modalidades coletivas brasileiras em competições internacionais, enfrentam uma crise institucional que aos poucos vai se tornando pública. Apesar de o conflito já ser de domínio de técnicos e atletas, na CBV (Confederação Brasileira de Vôlei) o assunto é tratado em silêncio, reservadamente, como convêm a um esporte com enorme visibilidade e poderoso e histórico parceiro, o Banco do Brasil.
“A bomba vai estourar a qualquer momento”, disse um destacado jogador que conhece o assunto em detalhes, mas não quis se identificar. Uma ex-atleta, mas ainda integrada ao movimento esportivo, também confirmou os comentários sobre “crise” e que batem, segundo as fontes ouvidas, no ex-presidente Ary Graça.
Um dirigente contou que o estopim surgiu com a saída de Ary Graça da presidência da CBV, em setembro de 2012, para assumir a FIVB (Federação Internacional de Voleibol). Walter Pitombo, o Toroca, assumiu a CBV. Porém, Ary não quis abrir mão do comando e se manteve no poder, acumulando o cargo com a FIVB. A duplicidade de funções entre cartolas não é novidade. Carlos Nuzman, por exemplo, presidente o Comitê Olímpico Brasileiro e o Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016. Gesta de Melo também presidiu a Confederação de Atletismo e a Confederação Sul-Americana da modalidade.
Homem de poucas palavras e avesso a entrevistas, Toroca tomou conhecimento de fatos que comprometeriam a gestão de Ary Graça. Divulgar ou silenciar?
Diante do dilema, Toroca fortaleceu a sua equipe com a contratação de dois experientes gestores, Radamés Latari e o ex-jogador Renan dal Zotto, ambos prestigiados na comunidade do vôlei. E entregou os tais “documentos suspeitos“ a um amigo para analisar e dar o encaminhamento devido, Ministério Público, se preciso. Com isso, Ary Graça sentiu-se fragilizado e, aí sim, pediu demissão da CBV, encerrando uma dinastia que começou em 1975, com Carlos Arthur Nuzman. No bom português, o vôlei brasileiro está em novas mãos.
Segredo
Ninguém fala sobre o conteúdo dos documentos, mas os que conhecem o assunto garantem que se trata de “caso muito grave”. E arriscam apostar que se tornarão públicos.
Muito apoio
Para chegar ao perfil vitorioso, o vôlei brasileiro conta com elevados subsídios federais. Só de patrocínios, a CBV recebeu R$ 50 milhões em 2011 e R$ 77 milhões em 2012, sendo o Branco do Brasil o principal e histórico parceiro.
Segundo o balanço da CBV do ano passado, R$ 16 milhões foram conquistados através da Lei de Incentivo. Outros R$ 3,8 entraram na confederação pela Lei Piva, via Comitê Olímpico.
O Centro de Treinamento de Saquarema, adquirido no início da década passada, também foi comprado com recursos federais. Cerca de R$ 3,5 milhões repassados pelo então ministro do Esporte, Carlos Melles, no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Vitorioso e prestigiado por resultados importantes em eventos mundiais e com o caixa reforçado por verbas públicas, Ary Graça sempre teve poder para negociar a venda de imagens para a televisão e esse é um dos temas que também pode estar em investigação. É nesse filão que a TV busca também dominar as imagens do basquete, garantindo, aos poucos, monopólio do esporte de alto rendimento
Memória
Há alguns anos, o Bradesco tentou negociar com a CBV para assumir o valioso patrocínio. Os cartolas em geral apoiaram a ideia, pois é preferível parceiros privados aos públicos, já que esses estão sujeitos a controles rigorosos, auditorias do TCU, CGU etc. Mas o negócio não evoluiu e o Banco do Brasil se impôs.
Toda essa situação confirma a tese de que o esporte de alto rendimento tornou-se negócio rentável. Não apenas o futebol, mas o vôlei, o basquete, o tênis etc. E é nesse negócio que o governo investe muito dinheiro, desde 2003, mas sem um mínimo de participação ou controle sobre as ações daí decorrentes.
O episódio “vôlei” sugere, mais uma vez, a inadiável necessidade de se rever a legislação e a participação do Estado no “negócio” esporte.