Blog do José Cruz

Basquete: 20 anos sem o talento de Kanela (final)

José Cruz

Por Raul Milliet Filho

Na primeira parte desta pequena História sobre o grande Kanela contávamos que ele tinha plena consciência de sua falta de habilidade como atleta, dedicando-se desde o início de sua carreira ao oficio de treinador.

Togo fica no Botafogo de 1921 até 1947, quando após mais uma de uma série de desavenças com Carlito Rocha, abandona o clube e vai para o Flamengo.

Esta mudança será decisiva para a sua vida e para o basquete brasileiro.

Enquanto no Botafogo, como era comum naqueles tempos de amadorismo (só o futebol se profissionalizara em 1933), Kanela se dividia entre o futebol, water polo e basquete; no Flamengo, a partir de 1950, passa a dedicar-se quase que exclusivamente ao basquete.

Revolucionou o treinamento do basquete brasileiro, valorizando os contra-ataques e introduzindo os arremessos da “zona-morta”. Decretou o fim da “zona-morta”, fazendo seus atletas executarem esses arremessos à exaustão.

A preparação física, o condicionamento atlético e as inovações no campo tático eram observados atentamente por Kanela, que foi precursor do treinamento seriado no basquete nacional.

Foi um ídolo mesmo numa época em que a seleção brasileira era composta por craques como Algodão, Wlamir Marques e Amaury Pasos.

No Flamengo era comum o ginásio – que hoje leva seu nome – ficar lotado para ver o time de Kanela treinar.

Respirava basquete o tempo todo. Era daquele tipo de técnico com estilo professoral, que a  toda hora parava o treino para explicar o jeito certo de executar determinada jogada. Como no caso do “jump”, principalmente após as mudanças das regras  limitando a posse de bola até o “chute”.

Estreou como técnico da seleção brasileira de basquete em 1951. Dirigiu a seleção em quinze competições: sete vezes campeão; três vezes vice; quatro vezes terceiro lugar e uma vez sétimo lugar.

Em 1954, concentra a seleção brasileira de basquete durante três meses na fase de preparação para o campeonato mundial no Rio de Janeiro, na inauguração do Maracanãzinho. O Brasil conquista o vice-campeonato.

Ele considerava este momento como uma virada nos rumos desse esporte.

 “Em 1954 é que a coisa começou a mudar. Nós trouxemos oito cariocas, oito paulistas, dois gaúchos para um treinamento sério. Neste treinamento apareceram Wlamir e Amaury.” (Entrevista concedida ao Projeto Memória do Esporte)

Amaury tinha apenas 19 anos e formou, ao lado de Wlamir ,uma dupla de ouro para o basquete.

O basquete masculino brasileiro conquistou três medalhas de bronze em olimpíadas: em Londres (1948); Roma (1960) e Tóquio (1964). Embora só tenha sido técnico em Roma, o talento de Kanela esteve presente tanto em Tóquio (a base da seleção de basquete tinha sido montada por ele no bicampeonato mundial de 1963) quanto em Londres.

Se nos treinamentos era um estrategista, dentro de quadra ele se transformava. Com um temperamento explosivo, envolvia-se constantemente em brigas e confusões, principalmente com árbitros, dirigentes e torcedores adversários.

Foi um personagem retratado pela pena privilegiada dos maiores cronistas esportivos brasileiros.

Nelson Rodrigues, em “O Tapa Cívico”, exaltou a bofetada de Kanela no árbitro uruguaio, durante o jogo histórico contra a União Soviética em pleno Maracanãzinho, no Mundial de 1963.

 João Saldanha, amigo e ex-atleta de Kanela no futebol juvenil do Botafogo escreveu:

Maior ainda foi o mérito de Kanela não somente no futebol mas em todos os esportes em que foi treinador laureado.  Me refiro à importância do treinamento.  Sem dúvida foi o homem que introduziu no Brasil o treinamento sério e aplicado. 

Em meados da década de 1960, Kanela teve sérios embates com o Conselho Nacional de Desportos (CND) terminando por ser excluído do  comando da seleção masculina de basquete nas Olimpíadas de Tóquio em 1964.

Logo ele, o grande Kanela, comandante desta mesma seleção no bicampeonato mundial em 1959 e 1963.

Por fim sugiro um debate, aos companheiros do CEV. Por não ser diplomado em Educação Física, Kanela passa a sofrer inúmeras restrições a partir exatamente da conquista do bicampeonato.

Não foi o único a padecer destas críticas. O corporativismo foi impiedoso.

Será de fato necessário o diploma de Educação Física para um técnico de campo e/ou de quadra? Não será suficiente o apoio de uma comissão técnica diplomada e especializada?

Sobre o autor

Raul Milliet Filho é doutor em História Social pela Universidade de São Paulo com ênfase em História Contemporânea do Brasil. Desenvolveu pesquisas sobre Esporte, Cultura Popular e Cidadania. Coordenou projetos nas áreas de Seguridade Social, Educação, Esporte e Cultura. Participou da elaboração de material didático para projetos sociais na área pública. Lecionou no ensino médio e universitário. Publicou livro sobre esporte e artigos sobre História do Brasil. Atualmente prepara um livro sobre História do Futebol no Brasil e uma pesquisa sobre Política e Memória no esporte brasileiro.

Saiba mais:

O texto completo da primeira parte está também no site do Centro Esportivo Virtual (CEV).

Entrevista de Raul Milliet Filho à Rádio CBN –  CBN Esportes

Confederação Brasileira de Basquete: http://www.cbb.com.br/Noticias/Show/10665