Cidadania F.C.
José Cruz
Por Geraldo Hasse
Dias desses terminou a temporada de tênis, esporte que paga em média 500 mil dólares ao campeão dos maiores torneios. Não bastasse isso, o campeão Roger Federer veio pegar mais alguns milhares de euros da mão do Guga, o astro brasileiro que vai se transformando em empresário do ramo da raquete.
Há um mês e pouco acabou a Fórmula Um, onde os salários dos pilotos giram em milhões de dólares por ano. Antes mesmo de largar o volante, o brasileiro Felipe Massa vem tentando se tornar empresário do setor.
Também chegaram ao fim os campeonatos brasileiros de futebol das séries A, B, C e D, cujos jogos são transmitidos por canais de TV a cabo, emissoras de rádio, e jornais e revistas.
Agora os espaços disponíveis na mídia são preenchidos por jogos de futebol da Europa e torneios nacionais de basquete e vôlei, estes com times cheios de estrelas olímpicas, algumas já ensaiando os primeiros passos como empresários.
Aqui e ali, descobrem-se torneios e outros esportes também cobertos pela televisão e cercados de placas de patrocínio, com os ginásios e arquibancadas ocupados por torcidas remuneradas.
Tudo isso indica que, se não todos, a maioria dos esportes está dominada pelo “business”. Os tenistas, os pilotos e os boleiros em geral tornam-se escravos dos seus patrocinadores, que mandam nos seus clubes/equipes.
Patrocínio vem de patrão. A maioria dos atletas se ajustou ao padrão dominante. No capitalismo, que furou o Muro de Berlim e está pondo no chão a Muralha da China, a hegemonia é do dinheiro, que vai empilhando gente mais ou menos qualificada em todas as atividades, frequentemente à revelia da ética.
No mais atrasado dos esportes em gestão – o futebol –, tornaram-se comuns os salários de seis dígitos. O público foi acostumado a admitir como normal um jogador de certo talento ganhar pelo menos 100 mil reais por mês, valor superior ao salário de um executivo no auge da carreira e vinte vezes maior do que os rendimentos de um professor universitário ou cientista em fim de carreira. Já os craques como Neymar do Santos ganham acima de um milhão por mês, o que lhes permitiria ser independentes, não fossem dependentes de contratos que lhes roubam o tempo e a tranqüilidade indispensáveis a um atleta.
No fim das contas, os clubes acumulam folhas salariais milionárias e deficitárias no afã de sustentar elencos n os quais se reproduzem, geralmente agravadas, as desigualdades de renda da população brasileira.
Dos clubes mais populares do Brasil, nenhum deve menos do que R$ 100 milhões. A dívida do Flamengo gira em torno de R$ 400 milhões. No entanto, não se vêem dirigentes preocupados em reduzir o tamanho dos buracos abertos nos clubes. Pelo contrário, os chamados cartolas não resistem à tentação de contratar estrelas para ganhar títulos, quando seria preciso enxugar a folha de pagamentos. Nessa batida não há loteria esportiva que sustente a leviandade da maioria dos dirigentes esportivos.
Nessa imensa ciranda do desperdício jogam os clubes, os patrocinadores e as emissoras de TV e rádio. A “crônica esportiva” é uma das principais engrenagens desse jogo malandro em que a marquetagem mais rasteira veste de plumas o patriotismo mais barato. É um faz-de-conta espantoso que agride a sensibilidade das pessoas.
Os programas esportivos de rádio fazem rolar uma cascata de marcas, a maioria desconhecida, tentando pegar carona num negócio moralmente falido. Os narradores carregam nas tintas para agradar os torcedores, os repórteres abrem os microfones para fazer perguntas idiotas a cartolas, treinadores e atletas, cujas respostas obviamente imbecis são ignoradas pelos comentaristas em suas análises autossuficientes sobre o que acontece dentro dos campos. Diante da mediocridade generalizada dos bastidores do esporte, não admira que o futebol brasileiro tenha perdido prestígio e venha caindo no ranking dos melhores do mundo.
A um ano e meio da Com a Copa do Mundo, aproxima-se um banquete de grandes marcas. É muito dinheiro envolvido em nome da Nike, Coca-Cola, Santander, Bradesco, Itaú, Volkswagen, Vivo, Brahma. Só multinacionais tendo como parceira a Fifa, igualmente internacional.
Em contrapartida, há muito dinheiro comunitário (dos clubes) e público (de governos) sendo colocado na construção de estádios e de infraestrutura viária em 12 capitais. Aparentemente, o negócio do futebol tem a sustentabilidade financeira assegurada. No entanto, está cada vez mais claro que ele não fica de pé sozinho.
Se os clubes mais ricos têm dívidas maiores do que os seus patrimônios, a maioria dos clubes brasileiros vive um cotidiano de esperança na penúria, com salários atrasados e torcedores em número insuficiente para custear as despesas básicas. Por que então não se organizam parcerias em prol de setores carentes ou deficientes da sociedade?
No mínimo, os novos e monumentais estádios de 2014 podiam abrigar salas escolares, para minorar o déficit educacional brasileiro. Ou pensionatos para menores carentes que seriam educados e treinados para se tornar atletas profissionais ou funcionários esportivos. E por que não construir dentro dos estádios ambulatórios e postos de saúde para atender os “atletas” do Cotidiano F.C., que passam a vida levando bola nas costas?
O futebol não precisa deixar de ser uma festa para se tornar um importante veículo de educação, saúde e cidadania.
Lembrete de ocasião
“O futebol é o maior fenômeno social do Brasil. Representa a identidade nacional e também
consegue dar significado aos desejos de potência da maioria absoluta dos brasileiros”.
Marcos Guterman, O Futebol Explica o Brasil, Editora Contexto, São Paulo
Geraldo Hasse é jornalista e colaborador deste blog
A publicação diária de mensagens voltará na próxima segunda-feira, 14 de janeiro