Olimpíada: o real valor
José Cruz
Everaldo Marciano
Indigne-se com o mau desempenho de seus eleitos e seja mais tolerante com seus atletas, eles passam rapidamente, os demais são responsáveis pela sua vida e de outros milhares de potenciais atletas.
Cobre ética, responsabilidade, seriedade e competência de nossos políticos e administradores, não aceite derrotas na área humana, indigne-se com as mazelas, violência, pobreza, falta de educação e saúde adequadas.
Sem saúde, educação, melhor distribuição de renda e acessibilidade à prática do esporte continuaremos sempre como uma mediocridade olímpica e, pior, uma nação esportivamente falida.
Como todas as pessoas, algumas mais e outras menos, estivemos envolvidos durante duas semanas com os jogos olímpicos. Decepções com alguns atletas, surpresa com outros, discussões aprofundadas sobre esportes que mal conhecemos as regras e as dificuldades. Indignamo-nos com atletas que falham ou que pecam na hora decisiva, pois deixaram de ganhar uma medalha de ouro que nos daria o falso sentimento de orgulho de uma nação bem sucedida. Por outro lado passamos indiferentes pela corrupção, aceitamos passivamente o imenso e freqüente desvio de verbas na educação, na saúde ou nos esportes assumindo que isso ocorre mesmo no Brasil e que nunca vai mudar. Passamos igualmente indiferente por atletas que alcançam “somente” um oitavo lugar, como se nós, em nossas áreas de atividade, não ficássemos radiantes em ser o oitavo melhor no mundo….
Na realidade, nossa colocação nos jogos olímpicos deveria ser próximo ao 45º lugar.
Por que?
Essa colocação retrataria a media de nossa posição mundial em termos de PIB, sexta potencia e nossa colocação no IDH, Índice de Desenvolvimento Humano, onde ocupamos o 84º lugar.
Se por um lado existe verba disponível para o esporte, por outro falta-nos o material humano educado e saudável necessário ao sucesso esportivo, entre outros sucessos mais importantes. Dessa forma, os ídolos esporádicos e bem sucedidos são muito mais obra do acaso e da perseverança de alguns, do que devido a uma política nacional consistente e incisiva, incluindo-se ai a área esportiva.
A verdade e que os jogos olímpicos, como outros eventos de tal magnitude, há muito já viram seus objetivos iniciais desvirtuados. O objetivo de congraçamento dos povos, a busca da superação de limites, a essência do competir ser mais importante que ganhar, o amadorismo puro não existe mais. Tudo gira em torno de um imenso balcão de negócios.
As cidades organizadoras, selecionadas muitas vezes por votos questionáveis de corrupção, buscam divulgar o país e promover suas economias locais no turismo, na execução de obras faraônicas.
Os atletas recebem recompensas por medalha, algumas elevadíssimas, outras nem tanto, mas pagas por governos interessados em auto promoção.
Além disso, o destaque não é propriamente uma retribuição de respeito pelo país e a seus torcedores, mas uma enorme oportunidade de conseguirem patrocínios milionários de fornecedores de materiais, celulares, produtos de beleza, bebidas, roupas.
Os patrocinadores deleitam-se com seus novos produtos e lançamentos na expectativa de aumentar seus lucros. Esse e o mundo real, mas convenhamos não o ideal.
Façamos um exercício de suposição. Imagine que o Brasil fosse 4º ou 5º colocado em todas as provas olímpicas. Nenhuma medalha. Seriamos um fracasso olímpico, mas seríamos uma potência esportiva, senão a maior,com atletas de alto nível em todas as modalidades.
Um pais que contaria com uma política de esportes saudável, eficiente, sem ser eficaz talvez, mas invejável.
Contrariamente a certos países que nos ultrapassam em número de medalhas de ouro, mas que são pobres em investimentos esportivos, concentrando-se em um ou dois esportes, como levantamento de peso, lançamento de disco, sem demérito a essas modalidades, com o intuito de faturar medalhas de ouro que servem basicamente a mascarar as falhas governamentais desses países, a abastecer o ego de ditadores e populistas e aumentar as vendas de produtos patrocinadores.
Parodiando, ou adaptando uma famosa frase, diria “Infeliz do país que não tem ídolos, mais infeliz o país que precisa de ídolos”. Atletas e treinadores combinam resultados, times perdem propositalmente, atletas se dopam, tudo em nome de uma medalha. Não é esse o modelo a ser seguido para um pais potencia.
Os jogos olímpicos duram duas semanas e ocorrem a cada quatro anos como todos sabem. Nossa vida não para. Guardemos nossas decepções, nossas tristezas, nossa revolta para coisas mais palpáveis e seríssimas que afetam nosso dia a dia.
Cobre ética, responsabilidade, seriedade e competência de nossos políticos e administradores, não aceite derrotas na área humana, indigne-se com as mazelas, violência, pobreza, falta de educação e saúde adequadas.
Não aceite que profissionais indispensáveis ao crescimento do Brasil como professores sejam aviltados por baixos salários e falta de condições, principalmente na escola pública que já foi a elite brasileira.
Indigne-se com o mau desempenho de seus eleitos e seja mais tolerante com seus atletas, eles passam rapidamente, os demais são responsáveis pela sua vida e de outros milhares de potenciais atletas.
A massificação do esporte resulta em um povo mais saudável, e com um número maior de praticantes as chances de aparecerem atletas de alto nível aumentam substancialmente, mas esse não e um fim, mas uma conseqüência.
Sem saúde, educação, melhor distribuição de renda e acessibilidade à prática do esporte continuaremos sempre como uma mediocridade olímpica e, pior, uma nação esportivamente falida.
Everaldo Marciano é geólogo e mora em Heidelberg, Alemanha