Blog do José Cruz

Arquivo : maio 2012

Os Jogos, as contas e as medalhas
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José Cruz

Como o aluno relapso que depende de muita nota na prova final, Brasil esportivo faz cálculos para tentar evitar vexame olímpico

O professor Daniel Johnson, da Universidade do Colorado, falará nesta quinta-feira no Ministério do Esporte sobre previsões de conquistas de medalhas olímpicas, a partir da geografia, economia e do modelo político nacional.

“Bola de cristal – O modelo testado desde Sydney 2000 manteve média de acerto de 93% em seis edições dos Jogos, contando os de inverno. No caso do Brasil, o método previu 13 medalhas em Pequim 2008, sendo três de ouro (foram 15, com três de ouro). Já para Londres 2012, Johnson prevê 14 medalhas brasileiras no total, sendo três de ouro. A previsão do COB é 15 medalhas este ano,” informa Eduardo Ohata, hoje, no Painel FC da Folha de S.Paulo.

Prioridade

A preocupação do Ministério do Esporte com a previsão de desempenho dos nossos atletas lembra o aluno relapso que, próximo do final do ano, faz repetidas contas para saber de quanto precisará em cada matéria, a fim de não ser reprovado. Os cálculos passam a ser prioridade e o estudo fica em segundo plano.

No esporte –  há nove anos sob a liderança do PC do B –,  na falta de uma política para o setor ouviremos um especialista internacional para, quem sabe, nos tranquilizar nas contas finais do jogo dos pódios e das medalhas. Depois cuidaremos da identificação e formação de atletas.

Essa realidade demonstra o desespero do governo – além das confederações e do próprio Comitê Olímpico – para que tenhamos desempenho à altura de país sede dos Jogos 2016, pois não há certeza disso.

Decisão

No ano passado, a III Conferência Nacional do Esporte fixou a meta Top 10 para o Brasil, nos Jogos Olímpicos Rio 2016. Não sei se os ilustres senhores já combinaram com as 200 delegações adversárias…

Enfim, no país da fartura de recursos públicos vivemos a triste realidade das “contas de chegar”, em detrimento de projetos efetivos de médio e longo prazos, para implantar uma política de esportes englobando escolas, federações, clubes, confederações, comitês, universidades etc.

Recursos

Não nos faltam recursos financeiros – o dinheiro sai de várias fontes como em cachoeiras ou cascatas –  ou humanos. São 33 milhões de crianças e adolescentes nas escolas; e aí estão 1.550 AABBs com seus espaços esportivos ociosos, Brasil afora.

Nossa geografia é privilegiadíssima, com relevo, temperatura e umidade extremas, de Norte a Sul, propícias aos treinamentos das diferentes modalidades olímpicas, individuais ou coletivas; temos fartura de espaços – vejam o “legado” do Pan 2007… – de águas interiores e um litoral de fazer inveja.

Porém, mesmo nove anos depois de o Ministério do Esporte ter sido criado, falta-nos o elementar planejamento integrado entre governos da União, estados e municípios.

Falta mais:

– Integração de clubes e federações;

– Diálogo aberto do Comitê Olímpico com as confederações e clubes;

– Entrosamento dos ministérios da Educação, Esporte, Saúde, Meio Ambiente e Turismo para termos uma política única de governo, com aproveitamento integral da população e não exclusiva para a formação de atletas.

– Respeito de dirigentes, burocratas do governo e promotores esportivos para o bom aproveitamento dos recursos públicos;

Falta, enfim, fiscalização mínima para que o dinheiro chegue ao destino e cumpra seus objetivos.

Enquanto isso…

… passa o tempo e vamos às contas, com o devido respeito ao ilustre visitante canadense, que traz sua tese bem fundamentada diante de resultados que exibe de jogos passados.

Mas se os cálculos de Mr. Daniel Johnson não amenizarem nossas angústias olímpicas, que o Ministério do Esporte consulte o Cacique Cobra Coral – “luz que ilumina os fracos e confunde os poderosos”. Aí, quero ver quem nos segura…


Hipismo : Athina Onassis Horse Show teve serviços superfaturados em até 4.000%
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José Cruz

O programa de “Fortalecimento do Hipismo Brasileiro”, desenvolvido em 2008 e 2009 pela Federação Paulista de Hipismo, com recursos da Lei de Incentivo ao Esporte, apresentou superfaturamento de até 4.000% nas contratações de nove profissionais especializados, entre eles médicos veterinários, engenheiros em agronomia, engenheiro projetista, gerente de riscos e chefe de operações especiais.

Agentes de risco, para acompanharem os cavalos (estrangeiros) desde o desembarque em São Paulo até o reembarque para os países de origem teve custo horário de R$ 230,00 cada profissional. “O valor equivale a salário mensal de R$ 40.480,00”,  afirmaram técnicos da Controladoria Geral da União (CGU), após auditoria na prestação de contas da Federação Paulista de Hipismo, que recebeu R$ 6,5 milhões da Lei de Incentivo ao Esporte para o projeto global.

Constata-se, portanto, que os valores cobrados pela GPS Logística e Gerenciamento de Riscos Ltda – Pamcary (que executou o trabalho) são até 4.000% (quatro mil por cento), ou 40 vezes maior que os preços de mercado para agentes de risco” – afirmaram os auditores.

O programa de Fortalecimento do Hipismo realizou várias provas, entre elas Concurso de Saltos Internacional 5 Estrelas – Athina Onassis Horse Show, com participação de cavaleiros e amazonas de 20 países e patrocínios de poderosas empresas, como a Hyundai, Rolex, Vivo, Sony.

Segundo a CGU, só o “orçamento analítico” dessa prova consumiu R$ 1.979.916,00, a seguir discriminado:

AÇÃO

VALOR R$

Adequação de infraestrutura

1.307.916,00

Espaço Hípica

500.000,00

Coordenador do CSI

32.000,00

Gestor Operacional

16.000,00

Assistente Operacional

24.000,00

Consultoria

100.000,00

T O T A L

1.979.916,00

 Gravíssimo

O relatório da CGU é uma peça de 60 páginas onde constam várias irregularidades. Leia um dos relatos dos auditores:

Pela utilização de escolta de dois veículos com sistema de comunicação via satélite, com dois agentes cada, foi cobrado o valor de R$ 50.400,00, que supostamente teria sido usado apenas nos dias de transporte dos animais. Ressalte-se que tal valor é aproximadamente o custo de dois veículos básicos novos. Os sistemas e equipamentos de comunicação foram cobrados à parte, no valor de R$ 25.000,00 e R$ 21.600,00 respectivamente”.

Lembro que tudo isso foi pago com recursos que o Imposto de Renda repassa para o “fortalecimento do esporte…” Ou seja, dinheiro que poderia ir para escolas, saneamento, hospitais etc.

O outro lado

Agora, leiam o que disseram os gestores da Comissão Técnica da Lei de Incentivo ao Esporte, do Ministério do Esporte. Em resumo, assumem a incompetência de seus atos:

A inconsistência nas análises dos valores do projeto de gerenciamento de risco procedem, primeiramente pelo fato da GPS Logística não ter confirmado em situações análogas a prática de tais valores. Em segundo lugar, pelos próprios indícios de direcionamento na escolha da empresa GPS Logística para o cumprimento de diversas ações do projeto, esta Comissão corrobora com os apontamentos elencados no Relatório Preliminar e também fará destas constatações objeto de apontamento á Coordenação Geral de Prestação de Contas do Ministério do Esporte para que adote as providências cabíveis”.

Segundo o Ministério do Esporte, está sendo realizada Tomada de Contas Especial, isto é, um mergulho nos detalhes das prestações de contas para identificar responsáveis.

As irregularidades ocorreram na gestão do então ministro Orlando Silva, demitido do cargo em outubro último, mas alegando “inocência” pela falta de provas de corrupção. Estão aí, Senhor Orlando, as falcatruas que o senhor ignorou.

Já a Federação Paulista de Hipismo tinha Francisco José Mari na presidência, conforme ata de posse que recebi, e não Luiz Roberto Giugni, como afirmei na mensagem anterior. Giugni é o atual presidente da Confederação Brasileira de Hipismo.

Enquanto isso…

Torna-se cada vez mais necessária a criação de uma CPI do Dinheiro do Esporte.  Proposta difícil, pois o loby do Comitê Olímpico Brasileiro é fortíssimo e já detonou uma dessas tentativas.

Mas as evidências de desperdícios de dinheiro público estão se tornando rotina no Ministério do Esporte, e não é possível que o ministro Aldo Rebelo feche os olhos às evidências registradas pelos órgãos controladores, como a CGU, a exemplo de seu antecessor, Orlando Silva.

A propósito, lembro que em seu último pronunciamento à nação, na segunda-feira passada, a Presidenta Dilma Rousseff afirmou que continuará buscando meios para “combater os malfeitos e os malfeitores e, cada vez mais, estimular as coisas bem feitas e as pessoas honestas de nosso país.”

 


Imposto de Renda pelo ralo
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José Cruz

A página de Opinião de O Globo publicou, ontem, artigo que sugere a reavaliação da Lei de Incentivo ao Esporte, diante os abusos, incorreções e fraudes constatados por auditoria da Controladoria Geral da União

Por Gil Castello Branco

O ex-presidente dos Estados Unidos, Thomaz Jefferson dizia: “Mais importante do que a elaboração da lei é a sua aplicação”. Assim, é necessário balanço sobre os primeiros cinco anos da Lei 11.438 que trata de Incentivos fiscais para o fomento das atividades esportivas no país.

Na prática, projetos aprovados pelo Ministério do Esporte podem ser custeados pela iniciativa privada em troca do abatimento do imposto de renda devido, nas proporções de 6% para pessoa física e 1% para jurídica.

O primeiro problema é que faltaram projetos para alcançar os R$ 2,3 bilhões que o Ministério da Fazenda disponibilizou como isenção desde 2007. Desse total apenas R$ 1,7 bilhão foi aprovado pelo Ministério. O segundo entrave é que somente a metade do montante aprovado foi efetivamente captada junto ao empresariado e aos cidadãos interessados  na inclusão social de jovens de baixa renda e na formação de atletas olímpicos.

Pela visibilidade que oferece aos patrocinadores, o segmento do esporte de rendimento tem mais facilidade de captação do que as modalidades educacional e de participação. Além disso, existe acentuada concentração de projetos na região Sudeste, especialmente em São Paulo. Os grandes clubes e as organizações não governamentais comandadas por ex-atletas vêm recebendo parcela significativa dos incentivos. Entre eles, os institutos de Ronaldinho Gaúcho, Roberto Dinamite, Guga Kuerten, Ayrton Senna e outros.

Como, para alguns, tudo vale a pena se a verba não é pequena, a isenção fiscal virou uma festa.

A maior aberração é a concessão do benefício para projetos com evidente capacidade de angariar patrocinadores na iniciativa privada. A regra é clara: “É vedada a concessão de incentivo a projeto desportivo em que haja comprovada capacidade de atrair investimentos… (Art. 24, inciso II, do Decreto 6.180/2007).”

Apesar da proibição, auditoria da Controladoria Geral da União, em 2010, listou diversos favorecimentos indevidos. Entre eles, a isenção de aproximadamente R$ 3 milhões à Federação Paulista de Hipismo para eventos que incluíam o Athina Onassis Internacional Horse Show. A personagem que dá nome à competição é a neta e única descendente  viva de Aritóteles Onassis, o lendário armador grego, um dos maiores magnatas da história.

Curiosamente, a competição já contava com cotas de patrocínio que somavam R$ 14 milhões provenientes de empresas como Rolex, Daslu, Hyundai, Vivo, Sony, dentre outras. Além disso, a venda de ingressos gerou receita adicional estimada em R$ 4 milhões, o que tornava dispensável o bônus oficial tupiniquim.

Nesse mesmo sentido, como justificar a isenção fiscal de R$ 1 milhão para custear o piloto de 15 anos Pietro Fittipaldi, neto de Emerson Fittipaldi, que está competindo na fórmula Nascar americana? A tese de que “neto de peixe peixinho é” pode até ser verdadeira, mas não necessariamente o “peixinho” precisa ser criado à custa dos impostos que a Receita Federal deixa de arrecadar.

A isenção tributária está também financiando o futebol profissional. O São Paulo, por exemplo, aprovou projetos de quase R$ 20 milhões para formação de atletas de alta performance, construção de vestiários, alojamentos, arquibancadas e estacionamentos. Como a enorme maioria dos clubes está inadimplente junto ao governo federal, algumas propostas que beneficiam outras modalidades esportivas são encaminhadas por entidades desconhecidas, como o Instituto Atleta Rubro Negro e a Associação Botafogo Olímpico.

Por fim, eventos que já eram bancados pela iniciativa privada agora são realizados – pelas mesmas empresas – com isenção fiscal. Desta forma, trocamos o seis (privado) pela meia dúzia (pública). Até torneios de golfe patrocinados por poderosos bancos internacionais, com a intenção de fidelizar clientela de elevado poder aquisitivo, passaram  a gozar do privilégio. No frigir dos ovos, o Tesouro está deixando de arrecadar impostos em favor de campanhas privadas de marketing. Como contraste, a metade das escolas brasileiras  não possui uma quadra esportiva ou a que existe não está em condições de uso.

O Estado ao aprovar a Lei de Incentivo valorizou o esporte no desenvolvimento da sociedade e compartilhou com o setor privado a tarefa de financiar as suas atividades. Passados cerca de cinco anos, precisamos seguir o conselho do Thomaz Jefferson e reavaliar a forma como a lei vem sendo aplicada. A carruagem não pode virar abóbora.

Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas