Imposto de Renda pelo ralo
José Cruz
A página de Opinião de O Globo publicou, ontem, artigo que sugere a reavaliação da Lei de Incentivo ao Esporte, diante os abusos, incorreções e fraudes constatados por auditoria da Controladoria Geral da União
Por Gil Castello Branco
O ex-presidente dos Estados Unidos, Thomaz Jefferson dizia: “Mais importante do que a elaboração da lei é a sua aplicação”. Assim, é necessário balanço sobre os primeiros cinco anos da Lei 11.438 que trata de Incentivos fiscais para o fomento das atividades esportivas no país.
Na prática, projetos aprovados pelo Ministério do Esporte podem ser custeados pela iniciativa privada em troca do abatimento do imposto de renda devido, nas proporções de 6% para pessoa física e 1% para jurídica.
O primeiro problema é que faltaram projetos para alcançar os R$ 2,3 bilhões que o Ministério da Fazenda disponibilizou como isenção desde 2007. Desse total apenas R$ 1,7 bilhão foi aprovado pelo Ministério. O segundo entrave é que somente a metade do montante aprovado foi efetivamente captada junto ao empresariado e aos cidadãos interessados na inclusão social de jovens de baixa renda e na formação de atletas olímpicos.
Pela visibilidade que oferece aos patrocinadores, o segmento do esporte de rendimento tem mais facilidade de captação do que as modalidades educacional e de participação. Além disso, existe acentuada concentração de projetos na região Sudeste, especialmente em São Paulo. Os grandes clubes e as organizações não governamentais comandadas por ex-atletas vêm recebendo parcela significativa dos incentivos. Entre eles, os institutos de Ronaldinho Gaúcho, Roberto Dinamite, Guga Kuerten, Ayrton Senna e outros.
Como, para alguns, tudo vale a pena se a verba não é pequena, a isenção fiscal virou uma festa.
A maior aberração é a concessão do benefício para projetos com evidente capacidade de angariar patrocinadores na iniciativa privada. A regra é clara: “É vedada a concessão de incentivo a projeto desportivo em que haja comprovada capacidade de atrair investimentos… (Art. 24, inciso II, do Decreto 6.180/2007).”
Apesar da proibição, auditoria da Controladoria Geral da União, em 2010, listou diversos favorecimentos indevidos. Entre eles, a isenção de aproximadamente R$ 3 milhões à Federação Paulista de Hipismo para eventos que incluíam o Athina Onassis Internacional Horse Show. A personagem que dá nome à competição é a neta e única descendente viva de Aritóteles Onassis, o lendário armador grego, um dos maiores magnatas da história.
Curiosamente, a competição já contava com cotas de patrocínio que somavam R$ 14 milhões provenientes de empresas como Rolex, Daslu, Hyundai, Vivo, Sony, dentre outras. Além disso, a venda de ingressos gerou receita adicional estimada em R$ 4 milhões, o que tornava dispensável o bônus oficial tupiniquim.
Nesse mesmo sentido, como justificar a isenção fiscal de R$ 1 milhão para custear o piloto de 15 anos Pietro Fittipaldi, neto de Emerson Fittipaldi, que está competindo na fórmula Nascar americana? A tese de que “neto de peixe peixinho é” pode até ser verdadeira, mas não necessariamente o “peixinho” precisa ser criado à custa dos impostos que a Receita Federal deixa de arrecadar.
A isenção tributária está também financiando o futebol profissional. O São Paulo, por exemplo, aprovou projetos de quase R$ 20 milhões para formação de atletas de alta performance, construção de vestiários, alojamentos, arquibancadas e estacionamentos. Como a enorme maioria dos clubes está inadimplente junto ao governo federal, algumas propostas que beneficiam outras modalidades esportivas são encaminhadas por entidades desconhecidas, como o Instituto Atleta Rubro Negro e a Associação Botafogo Olímpico.
Por fim, eventos que já eram bancados pela iniciativa privada agora são realizados – pelas mesmas empresas – com isenção fiscal. Desta forma, trocamos o seis (privado) pela meia dúzia (pública). Até torneios de golfe patrocinados por poderosos bancos internacionais, com a intenção de fidelizar clientela de elevado poder aquisitivo, passaram a gozar do privilégio. No frigir dos ovos, o Tesouro está deixando de arrecadar impostos em favor de campanhas privadas de marketing. Como contraste, a metade das escolas brasileiras não possui uma quadra esportiva ou a que existe não está em condições de uso.
O Estado ao aprovar a Lei de Incentivo valorizou o esporte no desenvolvimento da sociedade e compartilhou com o setor privado a tarefa de financiar as suas atividades. Passados cerca de cinco anos, precisamos seguir o conselho do Thomaz Jefferson e reavaliar a forma como a lei vem sendo aplicada. A carruagem não pode virar abóbora.
Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas