Copa 2014: governo altera prazos e atrasa planejamento
José Cruz
Temas como “segurança”, “energia” e “tecnologia da informação” estão com dois anos de atraso na elaboração da matriz de responsabilidades
Uma semana depois que a Folha de S.Paulo publicou relatório da Fifa, manifestando “excesso de politização” nas decisões nacionais e “atraso nas obras essenciais”, o ministério do Esporte respondeu com um balanço garantindo que está tudo em dia, motivando, inclusive, manifestação otimista do ministro Aldo Rebelo: “Temos o que comemorar”.
Não é bem assim. Os três ciclos de planejamento da Copa (abaixo) mostram que apenas o primeiro está com a matriz de responsabilidade fechada, o que ocorreu em 2010, final do governo Lula da Silva.
Os outros dois ciclos de planejamento tiveram prazos alterados, o que motiva preocupação dos órgãos de fiscalização do governo. (O documento original está aqui)
Comparações
No mesmo momento em que, na manhã desta quarta-feira, o ministro Aldo Rebelo apresentava seu relatório, em Brasília, no Tribunal de Contas da União (TCU) era entregue o balanço das contas do governo federal de 2011, com um capítulo específico sobre a preparação do país para o Mundial de Futebol.
“Ao examinar a matriz apresentada pelo governo, o Tribunal constatou que um dos maiores problemas em relação ao documento (relatório de 2011) refere-se ao fato de não abranger todas as ações identificadas com o evento, o que prejudica a transparência da atuação governamental na realização do Mundial”.
Diz mais o amplo relatório do TCU, que aprovou as contas gerais do governo federal:
“O monitoramento realizado pelo governo limitou-se às obras de mobilidade urbana, estádios, portos e aeroportos, não permitindo o acompanhamento completo de todos os gastos relacionados à Copa. Em prol da transparência, o TCU indicou necessária a inclusão de temas como segurança, saúde, hotelaria, telecomunicações, aspectos operacionais, convênios e contratos celebrados pelas diversas pastas ministeriais envolvidas nos preparativos do evento.”
Os alertas, feitos no final de 2011, continuam atuais se analisarmos os prazos de planejamento dos três ciclos de responsabilidades e o estágio em que se encontram.
Diferenças
O planejamento da Copa 2014 foi dividido em três ciclos, a seguir detalhados, com os respectivos prazos para a elaboração das matrizes de responsabilidades, mas já alterados no relatório do Ministério do Esporte, ontem apresentado.
Essas mudanças justificam as já antigas preocupações do Tribunal de Contas da União, principalmente no item “transparência dos gastos públicos”. Confiram as diferentes etapas e prazos:
1º Ciclo – 2010 – 2011: Projetos de Infraestrutura – Estádios, Mobilidade Urbana, Aeroportos e Portos.
Esse ciclo está com a matriz de responsabilidade assinada desde 2010, identificando quem assume cada obra (governos Federal, Estadual ou Municipal) e a origem dos recursos;
2º Ciclo – Projetos de infraestrutura de suportes e serviços – 2009 – 2010 – Em discussão, pois o prazo foi alterado para 2011-2012, isto é, dois anos de atraso: Segurança, Infraestrutura Turística, Telecomunicações e Tecnologia de informação, energia, sustentabilidade ambiental, promoção e comunicação do país.
3º Ciclo – Operações e ações específicas – 2011 – 2013 – A serem discutidos, mas o prazo passou para 2012-2013, ou seja, um ano de atraso: Malha aérea, operações aeroportuária e portuária; Transportes e mobilidade urbana; Fornecimento de energia; Saúde, prevenção e pronto socorro; estruturas temporárias para a Copa.
Segundo o TCU, o Ministério do Esporte já encaminhou detalhes do planejamento do assunto “Telecomunicações”, que consta do segundo ciclo de planejamento. Que avanço!
Memória
É oportuno lembrar que no ano passado, ainda quando Orlando Silva era ministro do Esporte, o relator do assunto Copa 2014, Valmir Campelo, já alertava para o risco de atraso na discussão e distribuição de responsabilidades para cada etapa do planejamento.
Campelo buscava evitar – e citou isso, inclusive – a repetição da farra de contratações de serviços sem licitações ocorridas no Pan 2007, no Rio de Janeiro, a pretexto de “falta de tempo” para cumprir a legislação.
Se chegarmos a isso entraremos no ponto do “vale tudo porque o evento não pode ser prejudicado…”
Estranho
Sem dúvida, a um ano e um mês da abertura da Copa das Confederações, de 15 a 30 de junho de 2013, torneio-teste com oito seleções, é muito estranho que ainda não se tenha o planejamento de fases importantíssimas do evento.
Desde outubro de 2007 sabemos que o Mundial de Futebol será no Brasil e, nesse aspecto, não se ter o elementar planejamento é vergonhoso.
Particularmente, não vejo o que festejar, mas lamentar o atraso que sugere desleixo na gestão do bem público.
Mas, como disse o ministro Aldo Rebelo, “o atraso faz parte da cultura brasileira” …
Então tá.