Desperdiçando a dádiva
José Cruz
Por Geraldo Hasse
“O futebol é uma caixinha de negócios”
Tanto no hemisfério norte (onde as colheitas já foram feitas) quanto no hemisfério sul (onde as lavouras estão plantadas), a pausa da virada do calendário foi substituída pela correria comprista inventada pelo comércio, a indústria e o turismo. Nesse ritmo acelerado do Natal e Ano Novo, a maioria das pessoas perde o contato consigo mesma em nome de uma confraternização mais ou menos forçada.
Pode não ser exatamente assim para todos, mas a aceleração festeira provoca acidentes, bebedeiras e confrontos nas estradas e nas ruas, principalmente que nada têm a ver com o genuíno espírito do Natal, inspirado nas lendas em torno do nascimento de Jesus, matriz das igrejas cristãs. Por isso muita gente se sente naturalmente inclinada a perguntar como se sentiria o próprio Cristo se voltasse ao mundo no século XXI.
Agnósticos, ateus ou cristãos podem tirar suas próprias conclusões sobre o tema exposto nos dois parágrafos acima no fundo, trata-se da alienação de si –, mas duvido que Jesus, em seu hipotético retorno, não lamentasse o desperdício da dádiva de viver.
No hemisfério norte, as pessoas se recolhem ao interior de suas casas para se abrigar do frio, que provoca o colapso da vegetação; no hemisfério sul, a natureza fica exuberante, cheia de flores, e o calor convida aos banhos e passeios junto ao mar, rios e lagos.
Não usufruir dessa diversidade de situações oferecidas pela Natureza é uma espécie de pecado; alienar a própria natureza pessoal em nome da competição pelo consumo ou por altas posições sociais, eis um pecado pior ainda; já destruir o patrimônio natural, herança de todos, é um crime que não merece perdão, ainda mais no momento em que a ciência relaciona diversas catástrofes climáticas como um troco aos exageros econômicos.
A subjugação da natureza e a subordinação da humanidade aos interesses empresariais são uma sacanagem que se institucionalizou mesmo se sabendo que a matriz ideológica desse pensamento o pensamento único, parido pelo neoliberalismo gerou a atual crise em que se debatem as economias mais bem estruturadas do planeta.
Tudo pelo negócio poderia ser o eslôgan que sintetiza tudo isso e que se estende a todos os campos do mundo. Aí está a própria Fifa, instalada na Suíça, comportando-se como uma multinacional que, a pretexto de promover o esporte, dá prioridade ao business.
Parafraseando o ex-jogador Pepe, que falava das surpresas de muitas partidas, o futebol é uma caixinha de negócios. Nem por isso, entretanto, faz sentido o Brasil autorizar a venda de bebidas alcoólicas em estádios durante a Copa de 2014, como parece que vai rolar nos tapetões de Brasília.
Se isso acontecer, será um retrocesso semelhante à reforma do Código Florestal, alterado para favorecer a economia, com prováveis perdas para o patrimônio natural, coisa que, talvez, só poderá ser confirmada dentro de décadas.
Tanto no caso do esporte quanto no do agronegócio, as mudanças legais obedecem a acordos ou lobbies que atendem a interesses predominantemente estrangeiros. Nesses dois campos vê-se a mão sinistra de políticos do PCdoB. Patrola-se assim a autoestima nacional, como se os reformistas na realidade, conservadores aliados aos negociantes internacionais estivessem a nos dizer: “Brasileiros, caiam fora, aqui quem manda somos nós!”
LEMBRETE DE OCASIÃO
”A intervenção totalitária do imperialismo na economia brasileira desvirtua seu funcionamento, subordinando-a a fatores estranhos e impedindo sua estruturação normal na base das verdadeiras e profundas necessidades da população do país.”
Caio Prado Junior (comunista) na página 280 de sua História Econômica do Brasil, l5ª edição, Brasiliense, 1972 (1ª edição em 1945)
Geraldo Hasse é jornalista gaúcho e colaborador deste blog