A Copa do Mundo já tem seus perdedores
José Cruz
Na Folha de S.Paulo – 23/12/2011
Por Guilherme Boulos
A grande euforia pela escolha do Brasil como sede da Copa de 2014 não tardou muito em gerar desilusão. Logo apareceu o incômodo problema de quem iria pagar a conta.
E veio a resposta, ainda mais incômoda, de que 98,5% do gordo orçamento do evento será financiado com dinheiro público, segundo estudo do TCU. Dinheiro que faz falta no SUS, na educação e na habitação popular. Por sua vez, a Fifa impõe contratos milionários com patrocinadores privados e o presidente do todo-poderoso Comitê Local é Ricardo Teixeira. A transparência dos gastos está em xeque.
Esses temas têm sido amplamente tratados pela grande imprensa. Mas há outra dimensão do problema -não menos grave- que é pouco abordada. Trata-se das consequências excludentes dos investimentos da Copa nas 12 cidades que a abrigarão. Três anos antes de a bola rolar, esta Copa já definiu os perdedores. E serão muitos, centenas de milhares de pessoas afetadas direta ou indiretamente pelas obras.
Somente com despejos e remoções forçadas já há uma estimativa inicial de 70 mil famílias afetadas, segundo dossiê de março deste ano produzido pela relatora da ONU e urbanista Raquel Rolnik. Os números podem chegar a ser bem maiores. Talvez por isso sejam tratados pelo governo como caixa-preta.
A desinformação facilita que qualquer processo de remoção receba o carimbo da Copa e, deste modo, seja conduzido em regime de urgência, passando por cima dos direitos mais elementares.
Na maioria dos casos, não há qualquer alternativa para as famílias despejadas. Quando há, são jogadas em conjuntos habitacionais de regiões mais periféricas, com infraestrutura precária e ausência de serviços públicos.
Quem sorri de orelha a orelha é o capital imobiliário. As grandes empreiteiras e os especuladores de terra urbana se impõem como os grandes vitoriosos. Levantamento do Creci-SP mostra que em 2010 houve uma valorização de até 187% de imóveis usados em São Paulo; a rentabilidade do investimento imobiliário superou a maior parte das aplicações financeiras. Para esse segmento a Copa é um grande negócio.
O exemplo de Itaquera não deixa dúvidas: os preços de compra e aluguel dos imóveis dobraram após o anúncio da construção do estádio. A conta costuma ficar para os mais pobres. Isso quando não se paga com a liberdade ou com a vida.
Na África do Sul, durante a Copa de 2010, foi criada, por exigência da Fifa, uma legislação de exceção, com tribunais sumários para julgar e condenar qualquer transgressão. O Pan do Rio foi precedido de um massacre no Morro do Alemão, com 19 mortos pela polícia. Despejos arbitrários, manter os favelados na favela e repressão exemplar aos transgressores, eis a receita para os megaeventos. Receita essa que mistura perversamente lucros exorbitantes, gastos públicos escusos e exclusão social.
GUILHERME BOULOS é membro da coordenação nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), militante da Frente de Resistência Urbana e da CSP Conlutas.