Blog do José Cruz

Bebeto de Freitas: jogadores de vôlei pagavam “pedágio” para jogar no exterior

José Cruz

“Vivemos uma ditadura assombrosa no esporte brasileiro”

De estilo calmo, ao contrário de seu tio, João Saldanha – o mais conceituado e ousado cronista esportivo da história do futebol nacional, – o ex-técnico da Seleção de vôlei, Bebeto de Freitas, lamenta os rumos do esporte no país.

Aos 62 anos, consagrado internacionalmente como técnico de vôlei, suas palavras refletem a realidade de quem conviveu e conhece os bastidores do esporte. Boa parte ainda obscuros.

Não existe democracia no esporte brasileiro. A única modalidade democrática no Brasil é o futebol. Nela, você não precisa ser jogador de seleção brasileira para viver do esporte”, disse Bebeto – que também presidiu o Botafogo – ao repórter Rodrigo Cardoso, em excelente reportagem na revista IstoÉ 2016, já nas bancas.

Cartolas

A falta de democracia denunciada por Bebeto inclui a perpetuação dos cartolas em seus cargos.

Para ser presidente de uma Confederação Brasileira, em um país de 200 milhões de habitantes, são necessários apenas 15 votos. Não tem por que um dirigente se perpetuar no cargo por décadas. Você precisa se reciclar. Esporte é uma coisa democrática. Como ser democrático passando 30 anos no poder?

Na entrevista, Bebeto fala sobre os conflitos na “geração de prata” – quando ele dirigiu a Seleção de vôlei masculina, que ficou em segundo lugar nos Jogos de Los Angeles, 1984 – e  sobre os problemas entre jogadores e o então presidente da Confederação, Carlos Arthur Nuzman, hoje à frente do COB.

E revela uma informação bombástica: em determinada época, os jogadores precisavam pagar “pedágio” para ter suas transferências para o exterior liberadas pela CBV.

É verdade que dirigentes cobravam uma espécie de pedágio dos jogadores de vôlei que queriam se transferir para jogar no exterior? – indagou o repórter Rodrigo Cardoso.

Eu nunca presenciei isso com um atleta meu. Obviamente, eu tenho conhecimento disso, porque muitos falam. Isso pegou depois q eu fui par a Itália, em 1989, mas com a geração de Gioavani, Maurício e Tande. Aconteceu tanto no masculino quanto na feminina. Isso era claro, não era escondido, não! O clube que preparava o jogador não ganhava nada e quem tomava conta do processo era a confederação. Havia um percentual que o jogador tinha de deixar na confederação para conseguir a transferência. Os jogadores nunca se manifestaram porque, no Brasil, quem contesta fica alijado. Só houve um que se levantou contra isso, o Badalhoca

Bebeto de Freitas: denúncia nas relações trabalhistas do vôlei

Dúvidas

Eu já tinha ouvido sobre essa revelação de Bebeto de Freitas. Uma ex-atleta da Seleção de Vôlei me confidenciou que para ter autorizada sua transferência para outro país precisava pagar uma taxa para a Confederação Brasileira de Vôlei, à época dirigida por Carlos Nuzman.

Daí, surge a dúvida: a exigência continua? O basquete e o handebol fazem o mesmo? Em caso positivo, como esse dinheiro aparece nos balanços financeiros das confederações, já que não há registros específicos.

Está aí um tem a para o Ministério do Esporte e o Ministério do Trabalho investigar, também sob o enfoque trabalhista: como são as relações entre atletas, clubes e suas respectivas confederações, já que, fora o futebol, a Lei Pelé não considera profissionais as as demais modalidades?

Enfim, Bebeto de Freitas, mesmo afastado do movimento esportivo, sugere uma bela pauta que permitirá um mergulho no mundo ainda obscuro do esporte olímpico. Quem fatura e quanto rende a transferência de jogadores, fora do futebol, para outros países? Há agentes nessas negociações ou elas são feitas diretamente com as confederações?

Vamos em frente nesta questão, sem dúvida, pois as confederações olímpicas, altamente financiadas por verbas públicas, precisam tornar transparentes suas gestões financeiras.