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Arquivo : Artigo III

Qual a posição da OAB sobre a MP “moralizadora” do futebol?
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José Cruz

O advogado Luiz César Cunha Lima conclui, com este terceiro artigo, a análise da Medida Provisória 671, que institui o Profut — Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro. A MP está em debate em Comissão Mista da Câmara e Senado, para votação até 17 de julho, e tem como relator o deputado Otávio Leite (PSDB/RJ)

luiz   Comentários sobre a MP 671 – Final

A MP 671 foi assinada apenas quatro dias após as manifestações de 15 de março, a maior mobilização política da história do país. Compete aos interessados descobrir se foi coincidência ou uma forma de criar uma agenda positiva para um governo com altos índices de rejeição.

A MP 671 não elenca o Sindicato dos Atletas Profissionais de Futebol como um dos legitimados para apresentar a denúncia de descumprimento das obrigações do Profut. Somente quem escreveu a medida provisória 671 sabe se essa ausência decorreu de um mero esquecimento ou de uma rixa entre os responsáveis pela elaboração da MP e o Sindicato. Seja como for, é óbvio que o Sindicato dos Atletas possui legitimidade para defender os interesses dos atletas.

Interferência indevida

Ademais, o artigo 12 da MP 671 afirma que não serão devidos honorários advocatícios ou qualquer verba de sucumbência nas ações judiciais que, direta ou indiretamente, vierem a ser extintas em decorrência de adesão ao Profut. Essa evidente interferência indevida na relação contratual entre dois particulares viola a legislação que rege esse assunto. Salvo melhor juízo, a Ordem dos Advogados do Brasil ainda não se pronunciou sobre esse dispositivo da MP 671.

Em flagrante desrespeito ao princípio do duplo grau de jurisdição, que deve ser aplicado até na esfera administrativa, a MP 671 não estabelece a instância recursal do Comitê Executivo do Profut, órgão a ser criado pelo Ministério do Esporte para fiscalizar as obrigações do Profut.

O aspecto esportivo

Sobre o aspecto estritamente esportivo, é necessário apresentar algumas questões que podem acontecer caso a MP 671 venha a ser aprovada:

a) Se apenas um clube aderir ao Profut, vier a sagrar-se campeão do campeonato brasileiro da primeira divisão e desrespeitar uma das obrigações do Profut, ele será sancionado com o rebaixamento para o ano imediatamente subsequente e perderá a vaga na Libertadores? Ou será sancionado com o rebaixamento para o ano imediatamente subsequente, mas não perderá a vaga na Libertadores?

b) Se todos os clubes da primeira divisão do campeonato brasileiro ingressarem no Profut e desrespeitarem suas condições, a segunda divisão acontecerá com 40 clubes? Os 20 clubes da segunda serão automaticamente içados à primeira divisão, independentemente de sua adimplência em relação ao Profut? Os 20 clubes da segunda serão automaticamente rebaixados para a terceira divisão para haver “espaço” na segunda divisão, embora estejam adimplentes ou não tenham aderido ao Profut?

c) Se o 18º último colocado da série A desrespeitar o Profut, ele será rebaixado juntamente com o 19º e o 20º colocados, havendo, portanto, três rebaixados, em vez de dois? Se houver três rebaixados, haverá o ingresso de três (em vez de dois) clubes da divisão inferior para a superior? Ou o 18º será rebaixado no lugar do 19º colocado, caso este esteja adimplente? Ou será rebaixado no lugar do 20º colocado, caso este esteja adimplente?

d) Se os dezenove primeiro colocados da série A aderirem ao Profut e desrespeitarem suas obrigações, eles serão rebaixados para a série B, e o último colocado, exatamente o clube que não ingressou no Profut, será declarado campeão brasileiro? Ou os dezenove primeiro colocados da primeira divisão não serão rebaixados para a série B, mas perderão as vagas para Libertadores, Sul-americana, etc?

Possibilidades

Infelizmente, não é possível abordar em apenas três breves artigos todas as possíveis conseqüências da MP 671. De toda forma, é possível, ao menos em tese, que venha a acontecer o que se segue.

O bem-intencionado clube que queira quitar seus débitos com a União decide aderir ao Profut. Como conseqüência, reconhece o valor integral de suas dívidas, segundo as contas do governo, as quais, inclusive, podem estar equivocadas.

Esse clube consegue vencer o campeonato brasileiro, mas a CBF não incorpora em seus estatutos as mudanças exigidas pelo Profut. Como não pode disputar competição organizada por entidade que não tenha adotado as exigências do Profut, o clube não poderia disputar a Libertadores.

Além disso, o clube seria obrigado a criar ou a ingressar em uma liga que contemplasse as obrigações do Profut. Caso essa liga não fosse acolhida pela CBF e pela Fifa, o clube estaria fora do chamado “sistema piramidal da Fifa”, o que poderia ocasionar proibição de disputar competições organizadas dentro do sistema liderado pela Fifa.

Sem a possibilidade de disputar Libertadores e Campeonato Mundial, o clube pode ter dificuldade em contratar bons atletas. Além disso, uma vez excluído do campeonato brasileiro, o clube precisaria rever o contrato com as emissoras de televisão que compraram os direitos de transmissão.

A história registra diversos casos de sucesso de ligas que não foram incorporadas pela entidade maior do “sistema federativo”, entre os quais a NBA, a principal liga norte-americana profissional de basquete.

A questão, contudo, não é saber se os clubes que aderirem ao Profut seriam capazes de criar uma NBA do futebol, mas saber se eles estão cientes de todas as conseqüências da aprovação do Profut, sejam elas boas ou ruins para eles.

É muito fácil aderir cegamente a algo destinado a “moralizar” alguma coisa, especialmente o desmoralizado e pré-falimentar futebol brasileiro. Mas é preciso, inicialmente, saber se a MP 671, de fato, vai alcançar o objetivo publicamente alegado.

Luis César Cunha Lima é autor do livro

livro!23 “Direito Desportivo”, Del Rey Editora, BH, 2014

 

Os dois artigos anteriores desta série estão nos links:

A dívida dos clubes e as dúvidas sobre a MP salvadora

http://josecruz.blogosfera.uol.com.br/2015/04/a-divida-dos-clubes-e-as-duvidas-sobre-a-mp-salvadora/

 

Sem mudanças, MP 671 pode prejudicar clubes e atletas junto á Fifa

http://josecruz.blogosfera.uol.com.br/2015/05/sem-mudancas-mp-671-pode-prejudicar-clubes-e-atletas-junto-a-fifa/


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