Blog do José Cruz

MP 671: Dilma decidirá sobre a formação de atletas a partir dos 12 anos

José Cruz

 A MP 671 sobre a dívida fiscal dos clubes esconde perigoso artigo que reduz para os 12 anos a formação desportiva. Com isso, após um ano de vínculo dessa formação ou seja, aos 13 anos de idade o educando- atleta – ainda criança –  já estará vinculado ao clube formador. E, como não pode firmar o contrato de trabalho, faz ressurgir o extinto “passe” pela impossibilidade de livremente se transferir

infantil

Por Heraldo Panhoca

Advogado

Durante o debate da Lei de Conversão da MP 671 no Câmara dos Deputados constatei que a sociedade brasileira alardeou e se posicionou sobre dois temas que entendia relevantes, o parcelamento das dívidas dos clubes e, em menor manifestação, mas muito bem lembrada, oportuna e benéfica a prorrogação do incentivo fiscal e fomento ao desporto para 2022. A reboque, sem nenhuma manifestação coletiva ou alarde, a redução da idade do atleta para início da formação desportiva a partir de crianças com 12 anos de idade.

Lembro que esta proposta de redução da idade do atleta para início da formação pré-qualificante foi levantada por um ex-treinador da Seleção Brasileira de futebol para justificar a derrota do time principal na Copa do Mundo. Alegava que, na Alemanha, inicia-se a prática com as crianças aos 12 anos e, no Brasil, com jovens aos 14 anos.

Apenas para esclarecer, no Brasil essa iniciação desportiva da criança ou educando (de 6 a 14 anos) está reservada ao desporto educacional, de vez que, em todas as normas vigentes, o ensino profissionalizante somente poderá ser ministrado ao menor aprendiz com no mínimo 14 anos de idade, inclusive pela obrigação de estar com o curso fundamental completo. Não menos verdade que a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e demais normas sobre a proteção à infância e à pré-juventude remetem à idade piso de 14 anos.

No sistema educacional desportivo o legislador previu, já em 1993, mantido em 1998, que essa iniciação desportiva seria feita nos sistemas regulares de ensino, por formas assistemáticas, proibida a seletividade e a hipercompetitividade dos praticantes, sempre tendo por norte os princípios de proteção à criança e escopo nos ensinamentos e conquistas da motricidade com ênfase no desporto. Em 1998, foi além, e o legislador brasileiro decretou: o atleta brasileiro nasce para os clubes (EPD) aos 14 anos e ofertou competente regulamentação para esta formação.

Juntaram-se a esta determinação legal várias normas de organismos governamentais, pelas quais o Brasil passou a contemplar o melhor sistema de formação de atletas, que compreende jovens entre os 14 anos completos até completar 20 anos de idade. Nada mais competente e seguro para a formação de nossa juventude. Para os clubes esta regulamentação trouxe o direito de formar o atleta e receber em troca o primeiro contrato especial de trabalho desportivo ou as indenizações pertinentes, para os atletas a qualificação e cidadania. A norma legal vigente é eficaz, mas muitos clubes foram incompetentes para exercê-la.

A mudança

Agora, sem nenhuma base cientifica a justificar, restou aprovado pela Câmara e pelo Senado, estando pendente de sanção presidencial, a alteração da idade mínima do início da formação desportiva das crianças com 12 anos de idade. Referida norma está ao total descompasso das demais normas que regem o direito de formação da criança e do adolescente no Brasil.

As alterações aprovadas e pendentes de sanção vinculam atletas e clubes, sem nenhum zelo ou cuidado aos ditames do artigo 29 da lei 9.615/98, que, entre eles, concede ao clube formador que por um ano ministrar ensinamentos profissionalizantes desportivos ao atleta, o direito de firmar com o mesmo o primeiro contrato de trabalho desportivo. Como visto é o primeiro curso técnico a qualificar para o trabalho a criança aos 13 anos de idade e a esperar que o “formado” complete 16 anos para o “formador” exercer tal direito.

Vislumbra-se mais um descompasso ou ilegalidade, após um ano de vínculo de formação desportiva, ou seja, aos 13 anos de idade o educando- atleta já estará vinculado ao clube formador, e como não pode firmar o contrato de trabalho faz ressurgir o extinto “passe” pela impossibilidade de livremente se transferir. (Trabalho infantil)

Por destaque, a mutilação precoce de nossas crianças com a hipercompetitividade restará patente, não é oportuno comparar o sistema educacional de iniciação desportiva de outros países com o aqui praticado.

Sem qualquer ilação, que garantia será oferecida a uma criança de 12 ou mais anos que tiver sua formação e qualificação profissionalizante desportiva confiada a um desses clubes beneficiados pelo parcelamento, este sim com o estabelecimento de rígidas normas de segurança em favor do erário público?

Ressalte-se, por mais paradoxal que possa ser, quem atesta e concede a certificação de “clube formador” é a CBF ou para as demais modalidades cada uma das entidades de administração.

Cabe ao Ministério Público da Infância e Juventude, ao Ministério Público do Trabalho, ao Ministério da Educação, ao Ministério do Esporte, aos Conselhos Tutelares, ao Conselho Federal de Educação Física, bem como a sociedade civil organizada, de forma isolada ou uníssona pedir ou até mesmo com justificativas cientificas exigir, se ainda der tempo, que A PRESIDENCIA DA REPÚBLICA, vete no art. 38 da referida lei de conversão as alterações e inclusões levadas a cabo no artigo  3º da Lei 9.615/98, em especial o inciso IV e o parágrafo 2º.

À reflexão.

 

Foto:  Marcello Casal Jr/ABr/www.redebrasilatual