Blog do José Cruz

País olímpico, Brasil ainda convive com a ditadura dos cartolas

José Cruz

O companheiro Gustavo Franceschini, do UOL Esporte, revela que Carlos Arhur Nuzman ficará à frente do Comitê Olímpico Brasileiro até 2016. Serão 21 anos de poder, cinco ciclos olímpicos.

Se nesse tempo tivemos o orgulho de ver gerações de atletas se renovando, o mesmo não ocorre com os gestores do esporte. Na maioria são os mesmos nomes e as mesmas caras do século passado, o que significa ação repetida, desmotivadora, cansativa e, por isso, ultrapassada.

É a segunda vez que Nuzman barra movimentos da oposição, demonstrando a força que o poder do COB lhe confere. E, mais uma vez, a decisão é tomada de forma escondida, revelando, quem sabe, a vergonha do ato.

A notícia torna-se pública justamente no dia em que outro cartola, Jorge Rosa, tentará mudar o estatuto da CBT para – só assim – conseguir um terceiro mandato, ilegal pelo texto das regras atuais.

Lembro que Jorge entrou no olimpismo justamente com discurso de mudanças, de renovações. Mas é reprovado vergonhosamente, pois, mesmo com pouco tempo de convivência, já se comporta como um profissional da ditadura dos cartolas

E porque isso ocorre?

No caso de Jorge Rosa, com o apoio dos presidentes de federações, com voto casuístico, como no regime militar, de tristes lembranças. A dúvida é: a que custo esses senhores sacodem a cabeça afirmativamente para tornar legal a burla, a farsa?

Já em nível superior, com Carlos Nuzman, são os presidentes das confederações, ungidos pelos cartolas menores – das federações – que se curvam ao poder maior.

Assim, as decisões de interesses ocasionais e antidemocráticos ocorrem em cascata invertida, de baixo para cima, e demonstram como é frágil e suspeita a estrutura que comanda o esporte olímpico nacional.

Lamentavelmente, tudo isso é um péssimo exemplo de educação aos jovens – e não foi esse o espírito que originou a histórica competição olímpica, nem é esse o princípio que norteia o desgastado binômio “esporte e educação”.

Pior: estamos falando de uma instituição milenar que, como tempo, ganhou forma e ordenamento. Mais: no caso brasileiro, ganhou sustentação financeira milionária, pois a economia do esporte de rendimento é totalmente estatizada nas mãos de instituições privadas.

Por tudo isso, vejo como afronta à democracia e aos direitos gerais o comportamento ditatorial dos cartolas. Agem sustentados pelo dinheiro público, mas excluem do debate maior o ente principal da prática esportiva – o atleta. Sem ele, o competidor, não há esporte, campeonato, olimpíada, nada! No entanto, a evolução democrática encontra barreiras na gestão do esporte, sem oportunidade de muitos se manifestarem, opinar, sugerir, votar neste ou naquele dirigente.

Além da vergonha que isso representa constata-se a agressão ao espírito constitucional da convivência em sociedade. Neste aspecto o esporte olímpico brasileiro é um exemplo triste e negativo.

E toda essa perpetuação casuística – que demonstra a tal desordem na gestão do esporte e, daí, as suspeitas de corrupção que surgem com freqüência – ocorre com outra afronta: acomodam-se sucessivamente nos cargos como se não houvesse, além dos escaldados cartolas, outro ser capacitado para substituí-lo.

São os sábios exclusivos e, assim, tornam-se intocáveis, “imexíveis”. Agem como os soberanos, se sustentando no poder com a vergonhosa concordância de poucos, inofensivos de ocasião, incapazes de se opor à agressão que se perpetua à ordem normal da renovação dos poderes da sociedade.

Não é demais lembrar que do alto de sua popularidade, o então presidente Lula da Silva proibiu que se falasse em mudança constitucional para beneficiá-lo, permitindo disputar uma terceira eleição. Resignado, cumpriu seus dois mandatos e se retirou do Palácio.

Lula deu exemplo de dignidade, maturidade política e respeito às leis, ao povo, aos adversários, justamente o que falta ao esporte nacional. Nele, a elite, sustentada pelo dinheiro público, ignora e afronta a ordem natural do Estado de direito e governa com portas fechadas e casuísmos, como no triste período da ditadura.