Blog do José Cruz

Farra do dinheiro, festa sem limites

José Cruz

Mantendo a tradição, desde que a Lei Agnelo Piva foi criada, em 2001, o Comitê Olímpico Brasileiro despreza o significativo aumento dos repasses das loterias federais – média de 20% anuais – para distribuir os recursos das loterias destinados ao esporte.

Para 2012, por exemplo, o COB prevê receber R$ 145 milhões, e é com base nesse valor que distribuirá R$ 62,8 milhões entre 29 confederações.

Porém, tal valor é significativamente inferior ao de 2011, em torno de R$ 170 milhões. Além disso, o Comitê contraria a tendência de aumento de 20%, previsão da própria Caixa Econômica, administradora das loterias federais.

Segundo o COB, a diferença – R$ 25 milhões – é depositada no Fundo Olímpico, para emergência das confederações.

Para que se tenha uma idéia dessa disparidade, tomo como referência o valor oficial de 2010: R$ 143,5 milhões.

Ou seja, dois anos depois de ter recebido R$ 143,5 milhões, o Comitê Olímpico Brasileiro calcula receber em 2012 apenas R$ 1,5 milhões a mais das loterias, enquanto a Caixa, administradora dos sorteios, trabalha, historicamente, com incremento de 20%, percentual que tem se concretizado ao longo dos anos.

 Análise

Anualmente insisto nessa análise porque temos dinheiro de várias fontes,  mas não temos gestão centralizada. Sobre isso, o Tribunal de Contas da União já se manifestou, criticando a falta de uma política de esporte para o país, capaz de oferecer melhor aproveitamento aos recursos públicos disponíveis e, consequentemente, resultados à altura do dinheiro que o governo investe.

O COB e as confederações também recebem do Ministério do Esporte e da Lei de Incentivo. Clubes sociais formadores de atletas são fartamente beneficiados pela Lei de Incentivo ao Esporte. Isso sem falar na Confederação Brasileira de Clubes, que este ano receberá R$ 45 milhões do governo federal para “preparação da equipe olímpica”.

Fundo

O COB garante que usará a verba do Fundo Olímpico se novos projetos forem apresentados. Mas como as prestações de contas anuais são com base no valor original do rateio, isso significa que o “excesso” ficou no Fundo Olímpico. Então, quanto tem o Fundo Olímpico, hoje?

 Rateio

O rateio dos recursos para 2012 – ano dos Jogos de Londres – não mudou muito comparativamente aos anos anteriores.

As confederações que mais têm em termos de patrocínios das estatais e captações na Lei de Incentivo ao Esporte são as que mais recebem: Atletismo, Basquete, Ginástica, Vôlei, Desportos Aquáticos.

Dessas, o basquete foi a única modalidade que teve o valor dobrado, passando de R$ 2,1 recebidos em 2011 para R$ 4,7 milhões este ano. Isso se deve ao critério de “meritocracia”, estabelecido pelo COB.

“Além da classificação e da participação em Londres 2012, o COB considerou ainda para a definição dos valores a análise da gestão das entidades em 2011 e os resultados de cada Confederação neste ano em campeonatos mundiais e copas do mundo. Por fim, levou em consideração os atletas das Confederações que estejam entre os TOP 10 do mundo e os patrocínios que as Confederações receberão em 2012”, afirma a direção do COB.

Dúvidas

Há algo de muito errado em tudo isso. Várias fontes de recursos federais – Orçamento da União, Lei de Incentivo, Lei Piva, oito estatais patrocinadoras e Bolsa Atleta – e vários órgãos – COB, confederações, clubes, Confederação de Clubes – fazendo a mesma coisa, “preparando atleta olímpico”.

Não tenho dúvidas de que há um desperdício enorme de dinheiro, com a fartura da grana pública concentrando-se na cúpula, duplicidade de projetos etc, enquanto a base continua à deriva, desestimulando jovens que estão na iniciação e desmotivando centenas de técnicos.

O Ministério do Esporte, criado há nove anos, é responsável por essa desordem, por essa verdadeira farra com verba que distribui.

O ministro Aldo Rebelo, que assumiu o cargo há três meses, precisa – além de combater a corrupção, que existe – conhecer os detalhes dessa festa doida e sem limites, porque ainda há muito atleta, muito dirigente, muito técnico pedindo “apoio”, “ajuda”, como se o esporte, no país que se diz “olímpico”, evoluísse dessa forma.

O ministro Aldo, enfim, pode se consgrar no cargo não só como gestor competente, mas como o político que conseguiu dar rumo à desordem esportiva-institucional do país, corrigindo desmandos de seus antecessores, cujos nomes é melhor nem lembrar.